Por Marcos Gouvêa de Souza*
Foram mais de 500 pessoas para assistir 50 apresentações condensadas em dois dias de intensos trabalhos envolvendo algumas das principais empresas varejistas cotadas na bolsa norte-americana, reunidas pela Goldman Sachs em sua 22ª Conferência Global de Varejo em Nova Iorque, no hotel Plaza, revendo de forma estruturada o momento e o futuro próximo do mercado e seu possível impacto no desempenho das ações dessas empresas.
Na plateia, analistas do mercado financeiro e varejista e empresas de investimentos que assistiram e puderam debater as apresentações comparando dados, desempenho e projeções que são, cautelosamente, desenhadas a partir do desempenho recente. E que cada um defina sua própria visão sobre o mercado, o segmento e a empresa.
Se é possível, ambiciosamente, buscar alguns pontos de consenso em tudo que foi mostrado, eis uma lista-síntese do que pode ser percebido:
a. Crescimento moderado. O desempenho do varejo norte-americano apresenta tendência de moderado crescimento no momento e tudo indica que assim permanecerá e, se expurgado o efeito do crescimento das vendas no e-commerce, em diversos segmentos o crescimento das vendas só das lojas físicas seria próximo a zero. O efeito do forte crescimento do e-commerce é de fato o elemento que influenciará o crescimento geral das empresas varejistas norte-americanas no mercado interno nos próximos períodos, mas de forma geral existe cautela com respeito à expansão global de negócios no futuro próximo por conta do rearranjo de todo o cenário econômico;
b. Digital é o ponto focal. O impacto do digital nas empresas varejistas norte-americanas é de fato o ponto mais importante de todo o processo atual. Para empresas como Macy’s, que no ano passado declarou que 50% de suas vendas totais eram impactadas pelo digital, neste ano aumentou esse nível de influência para 60%. Existe uma clara visão que é miopia considerar os 13% de representação do e-commerce sobre as vendas totais do varejo como referência mais importante e de fato o melhor indicador desse impacto é, como calculado pela Macy’s, o quanto o digital, incluindo o e-commerce, impacta no negócio total do varejo, a ponto de marcas tradicionais que vinham enfrentando sérias dificuldades, estarem se reinventando a partir do digital. Nesse aspecto, o valor de mercado atingido pela Amazon, próximo e até mesmo superando em alguns momentos o valor de mercado do Walmart, com faturamento equivalente a um quarto do maior varejista global, é um sinalizador importante dessa nova realidade. (Veja aqui o “Momentum” de 3 de agosto, sobre esse assunto do valor de mercado da Amazon);
c. Millenials são o maior desafio. A crescente representatividade da geração Millenial no mercado e no varejo especialmente dos EUA será o maior desafio a ser enfrentado pelas marcas e redes pois seus hábitos, atitudes, comportamentos, visões e perspectivas já estão afetando e afetarão de forma decisiva o futuro das empresas e dos negócios;
d. Em busca das experiências que diferenciem. Em tempos de crescente participação do digital em tudo que envolve o varejo, encontrar experiências que criem vínculos mais fortes com os consumidores se torna preocupação permanente e constante. Não são só as experiências na loja física, mas também, principalmente, na Omniloja, essa que emerge como o futuro do antigo ponto de venda, ao mesmo tempo que se renova o desafio de gerar também experiências no próprio e-commerce. Existe uma visão predominante que a opção Buy Online & Store Pickup deverá ser um das alternativas de mais forte crescimento nos próximos anos por conciliar aspectos positivos dos dois canais;
e. Valorização do Dólar vai impactar comportamento interno. A forte valorização do dólar ocorrida em muitos mercados, inclusive no Brasil, irá impactar o desempenho das empresas varejistas, tanto nas vendas feitas para o exterior quanto no custo dos produtos a serem ofertados no mercado;
f. Impactos no turismo também irá afetar desempenho em segmentos e regiões. A perspectiva de uma redução do fluxo turístico internacional para o mercado norte-americano irá afetar mais diretamente alguns segmentos de mercado e regiões geográficas, o que poderá ser parcialmente compensado pelo turismo interno;
g. Visão mais local. O cenário global de maior instabilidade em muitas regiões, mesmo em mercados mais maduros, e a perspectiva de enfraquecimento econômico de mercados emergentes, além de criar cautelas com a alocação de investimentos para essas regiões, fará com que atenção adicional seja desviada para aproveitamento de oportunidades no mercado interno que mostra condições de continuar expandindo em termos de consumo com menor risco em diversas categorias, porém sempre pautado pelo aumento da competitividade nos preços e margens que é ponto de grande preocupação;
h. O desafio da transparência no preço. A transparência de preços inerente a um maior acesso às informações sobre o que é praticados pelos diversos canais e concorrentes irá redesenhar toda a estrutura e o desempenho futuro do varejo (este assunto será tema do Momentum da próxima semana);
i. Big Data para customizar. Consensual a percepção de que o mais importante aspecto envolvendo a incorporação de Big Data pelos varejistas e fornecedores, tem muito a ver com a possibilidade de individualização e customização do relacionamento e como tal as empresas deverão acelerar seus projetos nessas áreas;
j. Delivery same day é parte da nova realidade. O empoderamento dos consumidores e a permanente busca de alternativas para superar expectativas e jogar o jogo da crescente busca de conveniência pelos clientes está institucionalizando a prática do Same Day Delivery, envolvendo não só os varejistas pure players, pela combinação de alternativas como a oferecida por Whole Foods e Home Depot através de programas associados;
k. Somar para não dividir. Os últimos anos têm mostrado oportunidades de somar esforços de marcas, conceitos e negócios, fazendo emergir uma nova realidade de projetos desenvolvidos em conjunto. Exemplos dessas iniciativas envolvem JC Penney, mais uma vez em busca de sua reinvenção, Macy’s, Home Depot, Gap e muitas outras. Interessantes inovações vindo de combinações com Nike, Mens’ Warehouse, Best Buy, Ben Harper e outras marcas. Nessas novas alternativas são criadas linhas, categorias e produtos diferenciados e operações compartilhadas para permitir a geração de uma estratégia integrada, nas lojas físicas e no ambiente digital, que possa tornar as empresas mais competitivas.
De fato é no mínimo pretensioso tentar num artigo de tendências consolidar alguns dos aspectos observados, para além dos números que foram a parte dominante de todas as discussões por conta da característica e do foco do evento. Mas servem como pontos de reflexões e inspiração.
Marcos Gouvêa de Souza (mgsouza@gsmd.com.br) é diretor-geral da GS&MD – Gouvêa de Souza