Tudo bem no ano que vem para quem?

Tudo bem no ano que vem para quem?

O País, o mercado, o consumo e o varejo estão mais divididos, desorganizados e polarizados neste final de ano e tudo indica que essa será a situação para o próximo, com vários setores e segmentos que tiveram saltos positivos quânticos em suas atividades e muitos outros que ainda amargam as consequências do imponderável. Tudo bem para quem no ano que vem?

O filme “Tudo bem no ano que vem” (“Same time, Next year”, no original), de 1978, conta a história de um homem e uma mulher, ambos casados, que o acaso reuniu num final de ano. Eles vivem uma aventura e se organizam para repetir o encontro todo ano no mesmo período. E o filme mostra a evolução da vida de ambos através do tempo em suas diferentes realidades com todos seus percalços.

No mundo mais real e tangível dos negócios, em especial no consumo e no varejo, o final do ano é marcado pelos projetos e planejamentos coroados em orçamentos para organizar o possível desempenho futuro.

E poucos conseguem, neste momento, assumir que será tudo bem de fato no ano que vem, tantas são as incertezas presentes. E não nos referimos ao desempenho dos negócios em si, mas, de forma mais ampla, como deve ser, aos aspectos realmente relevantes envolvendo uma evolução positiva da realidade.

No mundo, há uma sinalização positiva de uma distensão política após o resultado da eleição norte-americana e a China demonstrando maiores preocupações com diversos aspectos envolvendo sua liderança global. Além de movimentos importantes na Ásia como um todo se integrando em aliança políticas e econômicas. Mas, em outras regiões do mundo, também a crise precipitada pela pandemia – e a busca da imunidade pela vacina colocaram outros conflitos numa lista de problemas na escala de importância.

O lado positivo de tudo isso é uma maior consciência da fragilidade dos países, das instituições, dos negócios e dos indivíduos, criando um ambiente mais positivo para buscar soluções para problemas que antes pareciam terríveis – e muitos descobriram, na pandemia, o que pode ser realmente terrível. Criou-se uma perspectiva positiva para reordenar problemas numa régua de importância diferente do passado.

Mas se no mundo a consciência da fragilidade e vulnerabilidade criou aberturas para o repensar mais amplo e consciente, por aqui, no Brasil, as coisas parecem ter caminhado em sentido contrário.

E por aqui, tudo bem no ano que vem?

Mais dividido, polarizado, desorganizado, vulnerável, endividado e desigual, o Brasil que emerge da pandemia regrediu em relação ao clima que tínhamos no ano passado.

Muitos setores empresariais e de negócios tiveram um ano excepcional em termos de desempenho empresarial, como muitas empresas do setor financeiro, e-commerce, o mundo digital, a indústria e o varejo de alimentos, higiene, medicamentos, material de construção, artigos para o lar e animais de estimação.

Mas o mesmo não pode ser dito de setores de turismo, alimentação fora do lar, entretenimento, lazer, eventos, moda, vestuário, calçados e muitos outros.

Além da realidade de um nível de desemprego superior a 14%, que revisto em sua metodologia pode ser superior a 22%, em especial para determinadas classes e segmentos.

Entre os pontos positivos, estão o aumento artificial do poder de consumo precipitado pelo necessário auxílio emergencial e as movimentações estruturais precipitadas por uma economia que teve de se reciclar em muitos aspectos pela realidade, inusitada, de taxas oficias reais de juros próximas a zero ou até mesmo negativas, que precipitaram mudanças estruturais fundamentais. Que tendem a permanecer.

Entre os pontos negativos, as incertezas no tempo e no espaço com respeito à imunização pelas vacinas, o agravamento da distribuição desigual de recursos, o isolamento de alguns grupos sociais, o desemprego estrutural em alguns setores e/ou segmentos, as reações diversas à forma de enfrentamento da pandemia, mas, o mais importante, um vácuo criado em termos de lideranças inspiradoras para o País que precipita e agrava nossas diferenças.

O resultado prático é que parcelas menores e mais concentradas irão comemorar os resultados do ano e farão planos ainda mais ambiciosos para os próximos anos e parcelas maiores estarão buscando alternativas para sobreviver às incertezas, políticas, econômicas e sociais, exponenciadas pela pandemia.

Mas todos que tiverem consciência, visão mais ampla e bom senso se darão conta de que mais um ano terá passado, mesmo considerando os desafios da pandemia, sem que tenhamos avançado nada como Nação para sermos melhores e maiores para todos.

É só uma questão de visão.

Marcos Gouvêa de Souza é diretor-geral da Gouvêa Ecosystem.

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