Um pouco menos de 48 horas em Lisboa, mas oportunas para atualizar a visão do retalho. O varejo de Portugal sofre com os problemas de inflação e baixo crescimento econômico, mas se beneficia pelo forte fluxo turístico que premia o país. Na série “O Mundo do Varejo e o Varejo do Mundo”, algumas reflexões dessa rápida passagem por Portugal.
Portugal é um país que como outros no Hemisfério Norte vive os problemas da elevada inflação e do baixo crescimento econômico, ainda como rescaldo do período da pandemia, agravado pelas recentes consequências geradas pelos conflitos políticos e militares na Europa. Mas tem se beneficiado do aumento do fluxo turístico por conta de um ambiente atraente e dos custos relativamente baixos quando comparados com os de outros países europeus.
A inflação há um ano estava na faixa de 11% e hoje, perto de 5%, com um repique recente na tendência de queda. Por não ter políticas de correção automática de salários, isso gera uma perda relevante de poder aquisitivo e, em consequência, no consumo e nas vendas do varejo.
O crescimento econômico do país está estimado entre 2,5 e 2,7% para este ano, com uma inflação na faixa de 6% para o período.
Para economias não estruturadas para o convívio com a inflação, isso é sinônimo de perda de poder aquisitivo, com sérios danos no consumo e varejo, em parte compensados pelo aumento do fluxo turístico em Portugal.
O país tem se beneficiado muito de sua atividade estruturada nessa área, em uma combinação importante de gastronomia, enoturismo, entretenimento, eventos e aspectos positivos ligados à natureza.
No cenário do abastecimento ainda existem questões relevantes, como a compra de carros com espera de até um ano devido à falta de peças e componentes no próprio país e em outros, como Alemanha, Itália e França, com problemas no fluxo de produção e atendimento da demanda.
Esse quadro determina um crescimento também no setor de varejo de valor, como tem acontecido em grande número de países do mundo afetados pelo baixo crescimento econômico, aquele em que a demanda por preços mais baixos é dominante.
No caso europeu, isso significa a expansão das redes hard discount, como a Lidl e a Aldi. Em alguns outros países, com forte expansão dos clubes de atacado, que no Brasil geraram os atacarejos. Mas igualmente criando grandes desafios para os hipermercados, que se tornaram formatos menos interessantes, pois são menos convenientes e não operam bem na percepção da proposta de valor.
Esse quadro não conseguiu beneficiar a rede Dia%, soft discounter de origem espanhola, antes parte do Carrefour e hoje pertencente a investidores de origem russa, antigos controladores da X5 naquele país. Em Portugal, a rede recentemente foi vendida para a Auchan, que analisa se converte suas operações para uma de suas bandeiras ou mantém a marca Dia.
Merece destaque a expansão da Auchan em Portugal, afetada na França também pelo baixo crescimento econômico, que está determinada a disputar espaço com o grupo Sonae de Portugal, líder inconteste de mercado, e com Jerônimo Martins.
De forma marcante crescem as operações de todas essas redes nos formatos de conveniência e proximidade e nos conceitos de valor.
O protagonismo no varejo de valor também está presente em outras categorias, como na moda, com a Zara reposicionada, e a Uniqlo e a Primark disputando espaço com as espanholas Mango e Springfield.
E vale também destacar a forte expansão do e-commerce, que cresce de forma relevante, mas diferente do que no Brasil, com muitas restrições e normas impedindo o avanço das plataformas chinesas que têm imposto sérias consequências por aqui.
De forma geral, o varejo na Europa encontrou formas de barrar o avanço das plataformas chinesas, em especial na moda de baixo valor.
Com tudo isso, as redes especializadas menos organizadas têm perdido participação de mercado, pois, também diferente do Brasil, não têm a opção da informalidade para se sustentarem e o mercado vive um processo mais intenso de concentração, em especial no setor de alimentos.
O cenário é mais favorável no chamado setor de “restauração”, ou hospitalidade na nossa realidade, que inclui hotéis, restaurantes e bares, que se beneficiam diretamente do crescimento da opção de Portugal como destino turístico por conta da combinação virtuosa de boa infraestrutura turística e dos preços muitos competitivos em relação a outros países europeus.
Onde o cenário é mais favorável é no chamado setor de “restauração”, ou hospitalidade na nossa realidade, que inclui hotéis, restaurantes e bares, que se beneficiam diretamente do crescimento da opção Portugal como destino turístico por conta da combinação virtuosa de boa infraestrutura turística e preços muitos competitivos em relação a outros países europeus.
Vale ressaltar ainda o desempenho da rede espanhola El Corte Inglés, com uma loja de oito pisos em ponto premium em Lisboa, mesclando conceitos de uma loja de departamentos tradicional com forte ênfase em moda com sua operação de turismo, o Viajes El Corte Inglés, e mais um supermercado premium, com conveniência e todo o último andar dedicado a experiências, combinando alimentação e entretenimento com 15 operações diferentes.
Esqueceram de avisar que o conceito tradicional de lojas de departamentos está decadente e o vigor das operações do El Corte Inglés na Espanha e Portugal, assim como a Rinascente, na Itália; Kaufhof, na Alemanha; Harrods e Selfridges, na Inglaterra; Printemps, Samaritaine e Galeries Lafayete, na França, mostram que existe vida inteligente no segmento, só para falar na Europa, para além dos problemas nos Estados Unidos e Canadá.
Foi um período intenso e curto, mas suficiente para um atualizar importante sobre o momento e as tendências do varejo no mundo. Neste caso, em Portugal.
Vale refletir e comparar.
Experiências reais
Em momentos como esses, de vivências intensas, ficam aprendizados importantes em outras áreas também.
Positivos e negativos.
Um negativo marcante tem sido o que vivenciamos em algumas oportunidades nos últimos meses em voos com a TAP, que até já recebeu um novo significado para sua sigla “Take Another Plane” por conta dos atrasos, cancelamentos e péssimo serviço em terra, de forma quase que desprezando o cliente em todos os aspectos. Em voo, com sua tripulação, atenta e solícita, ainda que com naturais limitações dos equipamentos a experiência é bem diferente, mas, em terra, conseguem irritar o mais plácido viajante. E de forma consistente e constante.
No lado positivo, o Hotel Ritz, em Lisboa, operado pela Four Seasons, pode ser considerado um dos melhores da Europa.
Para além da localização privilegiada ao lado da Praça Marques de Pombal e do parque Eduardo VII, com a recente modernização realizada, seu maior diferencial é o nível de serviço e atendimento que cuida dos clientes de forma única, mesclando atenção, simpatia e competência.
Vivendo e aprendendo.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Shutterstock