Há dois anos, no encerramento do Fórum Lide de Varejo e Marketing, usando a metáfora do “mind the gap”, expressão que no metrô de Londres alerta os passageiros para a distância entre o vagão e a plataforma, sinalizamos a importância de o setor empresarial se posicionar ante a crescente distância que nos separava dos países mais desenvolvidos.
No encerramento do Fórum Lide de Varejo deste ano, ocorrido na semana passada, foi doloroso constatar que, passado esse período, a distância se ampliou, se aprofundou e se intensificou.
Depois de muitas discussões, debates e troca de experiências envolvendo empresas como Carrefour, Telhanorte-Tumelero, Via, McDonald’s, Magalu, Vivo, VTEX, Distrito e Mercado Livre, ao mesmo tempo que nos sensibilizamos com os avanços dos diversos setores, canais e negócios ligados ao varejo e consumo, ficou a constatação de que o setor privado nesses segmentos evoluiu no período apesar do cenário adverso e cresceu organizacional e culturalmente, tendo se reinventado para conviver com a nova realidade.
E que em muitos casos transformou a adversidade em oportunidade, evoluindo estruturalmente e dando um salto quântico em suas estratégias, operações, iniciativas, tecnologias e negócios. Algo que fica demonstrado pela valorização dessas empresas num período no qual quase tudo conspirava contra, a começar pela necessidade de fechar lojas e negócios por medida de cautela.
Para muitos negócios, o momento foi de reinvenção e adoção compulsória do novo para não ficar abraçado ao passado. E assim foi feito.
Negócios novos foram lançados e antigos, reformados. O resultado está em boa parte demonstrado pelo crescimento das vendas e desempenho operacional e pela consequente valorização, medida pela evolução do valor de mercado dos que ousaram no digital e no convencional reconfigurado.
Os setores que envolvem varejo e consumo cresceram em seu protagonismo estratégico pela proximidade com o omniconsumidor-cidadão, aquele que é a razão de ser de tudo que gravita em torno desses segmentos.
Quem tem em seu DNA essa visão de que tudo gira em função do omniconsumidor-cidadão criou vantagem competitiva nos últimos períodos, vantagem essa que foi potencializada pela pandemia.
Ficou nítida a fundamental importância de pesquisar, conhecer, monitorar e, principalmente, usar tudo o que possa ser aprendido para definir os caminhos atuais e futuros. Quem opera e cria diferenciais nessas áreas potencializou seu valor de mercado.
De outro lado, como Nação, fica a dolorosa constatação, que involuímos em muitos aspectos e jogamos tempo, talento, dinheiro e recursos fora para muito além do que a pandemia poderia ter causado. Ainda que existam ilhas de excelência no âmbito federal, estadual e municipal, a média nacional é medíocre, para dizer o mínimo, nas esferas executiva, legislativa e judiciária.
Além de aprofundar as desigualdades no cenário interno, perdermos espaço no mercado internacional, regredimos na adoção das melhores práticas e reduzimos de forma dramática o sentimento de orgulho nacional. Algumas iniciativas desprovidas de qualquer fundamento geraram um sentimento coletivo de desânimo, pasmo e frustração.
Que Nação é essa que demonstra tal capacidade de evoluir, inovar e conviver de forma positiva com a adversidade inesperada, transformando problema e desafios em iniciativas e soluções do lado do setor privado e falha de forma primária quando se trata de atuar no setor público, regredindo e se transformando em chacota global?
Que país é esse que, com tantos e tão relevantes recursos naturais, se omite e acovarda para se assenhorear de seu próprio destino?
Que líderes somos nós que não nos mobilizamos de forma pragmática e objetiva, como fazemos em nossos negócios, para não compactuar com o atraso?
Da mesma forma como no passado recente, mais um alerta não significa nada, se não nos dispusermos a sair de nossa zona de conforto e encarar o desafio de construir o futuro a partir de nossa visão, atitude e capacidade de reação e transformação.
A simples constatação de que aumentou o gap não vale nada se não for capaz de promover ações conscientes, práticas e visionárias para transformar a realidade.
E a nenhum de nós é dado o direito de se proteger ao abrigo dos compromissos que temos com nossos negócios e atividades, criando nossa própria zona de conforto, fazendo os mais perfeitos diagnósticos e proposições, sem nos mobilizarmos de forma definitiva para agir e transformar a realidade. Como sabemos fazer em nossas empresas.
A comparação do sapo na panela que gradativamente é aquecida nunca pareceu tão pertinente.
Nota: Durante o Latam Retail Show virtual, de 14 a 16 de setembro, ocorrerá ampla discussão sobre as transformações que a realidade global e local vivenciam pós-pandemia e seus impactos nos negócios, no mercado, no consumo e no varejo potencializado pelas mudanças que ocorrem no cenário mais amplo que envolve a emergente Sociedade 5.0, macro tema do evento deste ano.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
Imagem: Envato