A tradicional noção de tempo e espaço evaporou há muito tempo. As distâncias se apequenaram, o tempo está mais corrido, tudo é para agora. As consequências disso também são imediatas e possuem estreita relação com a profunda transformação que afeta o varejo.
Não faz muito tempo as coisas eram mais tranquilas. Na década de 90, por exemplo, havia um certo consenso de que as lojas podiam ficar iguais por cerca de cinco anos. Depois desse intervalo, as redes mais agressivas começavam a revisar o projeto das suas unidades e as viagens de estudo tinham como principal objetivo pesquisar vitrines, materiais e ideias de design.
Ali, por volta de 1999, surgiu a Bolha da Internet, trazendo com ela a falsa convicção de que o e-commerce certamente mataria o varejo físico, era só uma questão de tempo. A resposta das lojas de tijolo e cimento foi investir fortemente em experiências, quase sempre tendendo para o lúdico e teatral.
Não era possível viajar para os Estados Unidos nesta época sem encantar-se com o supermercado Stew Leonard e seus cenários dignos de parque temático de Orlando, ou com o imenso dinossauro animatrônico da Toys R Us da Times Square, ou com o telão gigantesco da NikeTown, sem falar nas bonecas da American Girl Place, nos ursinhos customizados da Build A Bear e o ambiente envolvedor do Rainforest Café.
Mas hoje, a própria noção de experiência do consumidor está mudando. Quem for a uma viagem de estudo apenas para ver instalações teatrais, cenários divertidos, telas engraçadinhas e tecnologias interativas, não vai entender o que está de fato acontecendo no varejo. A nova loja Nike House of Innovation já trocou sua mesa de customização, que fez um baita sucesso em janeiro, por outra atração digital.
Mas está ali ainda tudo o que é vital e estratégico: a interação do consumidor com o app, o esforço em cadastrar todos os clientes como Nike+ Members, a curadoria dos experts com hora marcada e a eficiência operacional da sinergia entre o físico e o digital, por exemplo.
As transformações no varejo não se limitam mais à vitrine, ao projeto de loja, ao design, às novas tecnologias ou experiências de entretenimento. O que estão mudando de fato são os modelos de negócio.
Quando vemos o exemplo da Peloton, que vende produtos para lucrar com serviços, ou a febre da assinatura, que hoje afeta segmentos tão diferentes quanto móveis, roupas e brinquedos, ou shopping centers abraçando o conceito de work, live and play (lugares onde você pode trabalhar, viver e se divertir, sendo que compras, a propósito, estão classificadas como diversão), ou a integração cada vez maior entre online e offline por parte de marcas como Walmart e Target, fica fácil concluir que a transformação do varejo não é cosmética, não é liderada pela arquitetura de loja e sim pela reinvenção do negócio do varejo.
Definitivamente, varejo não é mais o que era antigamente.
Agora, pare e reflita por um instante: quantos varejistas brasileiros estão de fato trabalhando na reinvenção dos seus modelos de negócio? E quantos parecem não ter a exata noção do tsunami que enfrentarão em breve?
Pois é.
* Imagem reprodução