Nos últimos anos, o canal Direct-to-Consumer (DTC) foi amplamente adotado como uma estratégia essencial para marcas enfrentarem desafios operacionais, especialmente durante a pandemia.
No segmento de luxo, Gucci e Louis Vuitton aumentaram significativamente suas operações próprias como resposta ao fechamento de lojas físicas e mudanças no comportamento do consumidor. A Nike também fez parte do grupo de marcas que fizeram um movimento gradual de redução da oferta de produtos em revendedores varejistas, enquanto fortalecia seus canais próprios físicos e online.
No Brasil, marcas como Farm e Hering apostaram no e-commerce para manter a conexão com seus consumidores.
Mudança de perspectiva no pós-pandemia
No entanto, o cenário pós-pandêmico trouxe uma mudança significativa. A competição digital acirrada e o aumento dos custos de aquisição de clientes (CAC) fizeram com que muitas marcas percebessem o risco de uma dependência excessiva do DTC. Com isso, o equilíbrio entre DTC e atacado se tornou uma estratégia mais sustentável e financeiramente viável.
Esse equilíbrio é sustentado por três pilares:
- Complementaridade: O DTC permite uma conexão direta com o consumidor final e a coleta de dados valiosos. Por sua vez, o atacado oferece escala, alcançando um público amplo e diversificado. Marcas de luxo, por exemplo, investem no modelo de negócio para preservar a exclusividade e o controle da narrativa da marca, enquanto o atacado amplia o alcance e a expansão geográfica.
- Modelos híbridos e omnicanalidade: As marcas estão adotando modelos híbridos, com a venda direta e a distribuição via atacado coexistindo. Isso permite uma presença física e digital consistente e cria uma jornada fluida para o cliente em todos os canais, seja em e-commerces, lojas físicas ou redes sociais. Idealmente, a jornada acontece com o menor ruído possível durante o atendimento e políticas de preços.
- Eficiência de margens: O atacado possibilita margens líquidas maiores, com menos investimentos diretos em infraestrutura de vendas. O modelo melhora a rentabilidade sem os elevados custos nos canais próprios.
Tendências globais
Nos mercados globais, como EUA e Europa, o retorno das lojas físicas nos últimos dois anos trouxe uma nova fase para o equilíbrio entre os canais. Empresas como Levi’s e VF Corporation (dona de marcas como The North Face e Timberland) ajustaram suas estratégias para manter o atacado como uma parte vital de suas operações. Essas empresas apostam na combinação de digitalização e parcerias regionais para alcançar mercados menores e específicos, onde os custos de operação direta são elevados.
Dados apontados no relatório Global da NuOrder (State of B2B Commerce Report 2024), refletem uma tendência de fortalecimento do canal atacado e uma mudança nas prioridades das marcas de moda.
De acordo com os entrevistados, o atacado continuará sendo o canal mais lucrativo em 2024, representando em média 60% das vendas totais. Empresas com receitas acima de U$50 milhões/ano pretendem priorizar o canal atacado, que oferece uma estrutura mais escalável e eficiente em comparação ao DTC.
No canal online, as projeções de crescimento em vendas são maiores nos e-commerces multimarcas do que nas plataformas monomarcas.
Oportunidades para expansão no Brasil
No Brasil de dimensões continentais, o canal atacado desempenha um papel fundamental na estratégia de distribuição. No entanto, muitos modelos ainda exigem atualizações, especialmente com a mudança do comportamento de compra para o digital.
Grandes feiras do setor e representantes comerciais, anteriormente essenciais, estão sendo complementados por tecnologias que otimizam a interação entre marcas e varejistas. Seja no modelo de venda direta ou terceirizada, ou em marcas de pronta-entrega de grandes polos e marcas de luxo, o momento exige evolução no modelo de atuação. A digitalização das vendas B2B está no centro dessa transformação.
De que forma?
Plataformas de e-commerce B2B permitem que varejistas façam pedidos de forma autônoma, com uma experiência tão boa quanto em e-commerces voltados ao consumidor final. Além disso, a automação de processos — como controle de estoque, gestão de pedidos e planejamento de demanda — reduz erros manuais e aumenta a eficiência.
Ferramentas de CRM (Customer Relationship Management), ainda pouco exploradas no canal B2B de moda, podem oferecer insights sobre preferências de compra e padrões de comportamento. Essas informações podem ajudar a construir a fidelidade do cliente e melhorar o processo de planejamento e tomada de decisões.
Além disso, existe uma infinidade de novas tecnologias. Inteligência artificial (IA), big data e análise preditiva podem contribuir com a melhoria de processos como previsão de demanda, precificação, análise de tendências e evolução do atendimento ao cliente por meio de chatbots e assistentes virtuais.
Dicas para fortalecer o canal atacado em 2025
Se você deseja fortalecer suas operações de atacado, recomendo levar em consideração os seguintes pontos:
- Digitalize com cuidado: uma tecnologia que você não precisa pode trazer um problema que você não tem! Escolha ferramentas que se integrem bem aos seus sistemas existentes e que estejam alinhadas com os objetivos de longo prazo do seu negócio.
- Invista na sua força de vendas: ofereça desenvolvimento contínuo para sua equipe, especialmente se trabalhar com representantes comerciais remotos. Isso ajuda a manter a consistência no atendimento e nas vendas, além de garantir que a equipe esteja habilitada para executar as estratégias do seu negócio.
- Explore novos canais de vendas: modelos como o Inside Sales, combinados com as ferramentas certas, podem otimizar a captação de leads, aumentar as conversões e resgatar clientes inativos.
- Construa parcerias sólidas: veja seus revendedores como parceiros estratégicos e ofereça condições ganha-ganha que aumentem a rentabilidade e a relevância da sua marca no mercado. Flexibilize suas políticas e operações e construa relações sólidas e sustentáveis.
O fortalecimento do canal atacado no setor de moda é uma resposta estratégica às mudanças do mercado e ao cenário pós-pandêmico. A combinação de tecnologia, eficiência operacional e parcerias sólidas é essencial para que as marcas aproveitem ao máximo esse canal e alcancem novos níveis de rentabilidade nos próximos anos.
Cecília Rapassi é sócia-diretora da Gouvêa Fashion Business.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da MERCADO&CONSUMO.
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