Há 10 anos o mercado brasileiro de shoppings se surpreendeu com uma notícia bombástica. A brMalls e a Simon, maior empresa de shopping centers dos Estados Unidos, anunciaram uma aliança para explorar o segmento de outlets. A ideia era desenvolverem juntas 12 empreendimentos – o primeiro já estaria operando em 2013, em São Paulo. O projeto, no entanto, nunca saiu do papel.
Nas contas da Simon, haveria espaço para até 30 outlets no Brasil. Uma década depois, o País possui apenas metade desse número, com alto nível de concentração. Só a General Shopping, líder do setor, opera seis unidades e está construindo a sétima, em São Paulo, às margens da Rodovia dos Imigrantes.
É verdade que na segunda metade de 2014 mergulhamos em uma profunda crise econômica, da qual começávamos a emergir no começo de 2020, quando a pandemia surgiu. Mas seriam os fatores econômicos os únicos empecilhos ao crescimento dos outlets por aqui?
Pensando bem, a crise deveria até estimular o setor, ao proporcionar aos consumidores a oportunidade de comprar marcas conhecidas por preços mais camaradas. Segundo Michael Domingues, superintendente do Porto Belo, do Grupo Tacla, “os outlets são ótimos em tempos normais e excelentes na crise”.
De fato, os outlets têm crescido acima de 40% em vendas na comparação com 2019. No entanto, o nível de maturidade do mercado e as novas dinâmicas do varejo parecem frear um avanço mais rápido desses empreendimentos por aqui.
O maior desafio tem sido catequisar os lojistas. Muitos ainda acreditam que o estoque em um outlet deve ser composto por saldos não vendidos em outras lojas, o que é uma lógica do passado. Nos Estados Unidos, entre 60% e 80% dos itens vendidos em outlet são feitos especialmente para esse canal, garantindo uma grade mais completa para o consumidor. O restante é formado por saldos de outras lojas e produtos full price (vendidos por preço cheio), para melhorar a margem.
No Brasil, com honrosas exceções, a maior parte do estoque é composto por sobras, complementadas por itens vendidos a preço cheio. É claro que isso restringe bastante a capacidade do varejista nacional de expandir suas operações e frustra o consumidor, em especial aquele que já conhece os outlets americanos. A solução passa pela ampliação do investimento, por parte dos lojistas, nos produtos MFO (made for outlet, ou feitos para o outlet, em português).
A dificuldade em encontrar lojistas com cultura e recursos para investir em outlets tem levado as administradoras a intensificar o trabalho para levar a indústria ao varejo. Lá fora, de fabricantes de biscoitos a produtores de cerveja, tem se multiplicado o número de operações que abraçam a estratégia DTC (Direct to Consumer, ou Direto ao Consumidor, em português).
A falta de cultura de varejo impede marcas importantes de perceber a oportunidade constituída pela venda direta ao consumidor. “Às vezes, o fabricante tem sobra de tecidos e botões e não se dá conta de que pode escoar esses materiais por meio de uma loja outlet”, explica Michael, o superintendente do Porto Belo, que passa boa parte do seu tempo trabalhando no desenvolvimento de novos lojistas para o segmento.
Outro obstáculo para os outlets é a nova dinâmica do varejo, que trabalha com várias minicoleções ao longo do ano. Isso permite que as lojas nos shoppings tradicionais tenham sempre produtos em promoção no estoque. Por contrato, os outlets exigem que suas lojas pratiquem preços pelo menos 30% mais baixos em todos os itens. Porém, muitas vezes, esse desconto é parecido com o que os consumidores encontram nos shoppings em determinados produtos.
A atratividade de uma loja outlet está diretamente relacionada ao reconhecimento que a marca possui, ao seu nível de abastecimento e à atratividade dos descontos oferecidos. Quando a loja do shopping consegue ampliar a percepção de descontos praticados, acaba reduzindo a disposição do consumidor em deslocar-se até um outlet.
Se de um lado as lojas dos shoppings muitas vezes concorrem com as dos outlets, também é verdade que os outlets começam a investir em áreas antes restritas aos shoppings, como alimentação, lazer e serviços. Em cidades menores, o outlet cumpre o papel de um centro de compras normal para a população do entorno.
Mesmo com tantos obstáculos pela frente, é senso comum que ainda há espaço para mais shopping outlets no Brasil. Alguns especialistas falam em 20. Outros, mais otimistas, apostam nos 30 empreendimentos que a Simon havia previsto em 2012. Aliás, uma nova tentativa de entrada da Simon no Brasil é alvo de rumores até hoje.
Além disso, empreendimentos bem-sucedidos estão se ampliando, como o Outlet Premium São Paulo, da General Shopping, que vai ganhar ano que vem mais 8 mil m² de ABL (área bruta locável). Outro bom exemplo é o Catarina, da JHSF, que já está na sua quarta expansão à beira da Rodovia Castelo Branco, em São Paulo.
O resumo da ópera? Seja pelo surgimento de novos centros, pela expansão dos existentes ou até mesmo pela entrada de novos operadores, o setor de outlets no País deve crescer e configurar-se em interessante opção para quem quer comprar, vender ou investir.
Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
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