Como último artigo de 2023 da Gouvêa Consulting, propus a nossa equipe que fizemos o esforço de resumir nossas principais percepções e aprendizados deste ano, que nos foi tão desafiador. O que trago a seguir, em relação ao ano de 2023, é fruto do que observamos em nosso dia a dia trabalhando com consultoria. Finalizo o artigo trazendo alguns insights do que esperar de 2024 e quais estratégias acreditamos que trarão resultados superiores aos negócios, dado o cenário projetado.
Primeiramente, compreendemos que 2023 foi um ano de paralisia nas ações de expansão de negócios. Desde o final de 2022 observamos que um cenário de incertezas (já posto, decorrente principalmente das dúvidas referentes à forma como o mundo iria responder aos desafios pós-pandemia) foi se agravando por diversos fatores, externos e internos.
Externamente, havia a desconfiança do quão resiliente seria o setor de serviços das economias centrais frente aos desafios trazidos com a pandemia. Entre eles, a escalada inflacionária, que mudou o padrão global de liquidez trazendo aumento das taxas de juros, e a eclosão de conflitos, como a guerra com a invasão das forças russas em território ucraniano em 24 de fevereiro de 2022.
No campo estrutural, o mundo ainda busca compreender como absorve a 4ª Revolução Industrial. Fala-se dos desafios da digitalização, mas estes vão muito além disso. Referem-se em como soluções como IA, IoT, BigData, blockchain etc. impactarão a forma como se produz, consome e comercializa bens e serviços, gerando mudanças qualitativa e permanentes nos negócios, nas economias, no emprego e na renda. As mudanças climáticas também devem ser pontuadas com o aumento da frequência de eventos externos devido ao aquecimento global.
Internamente, enquanto ainda observávamos como a economia nacional responderia aos desafios externos, um grande componente das incertezas foram as eleições presidenciais e as dúvidas quanto à condução das políticas econômicas, principalmente as fiscal e tributária.
O cenário propulsor da paralisia acima comentada também foi composto pela fraca demanda nacional, estafada pela inflação, endividamento e evolução lenta do rendimento médio do trabalho.
A taxa de juros, persistente no patamar de dois dígitos, que por um lado funcionou como instrumento de contenção inflacionária, por outro inibiu os investimentos e assim foi fator decisivo para paralisar as ações de expansão dos negócios.
Os componentes macroeconômicos internos citados: esgotamento da demanda pelo endividamento, inflação e fraca evolução dos rendimentos médios do trabalho e a taxa de juros elevada foram os principais ingredientes da crise das grandes varejistas, em que empresas como Lojas Americanas, Tok&Stok, Amaro, Riachuelo, Marisa, Renner, Livraria Cultura foram obrigadas a revisitar seus modelos de negócio em prol de recuperar sua sustentabilidade financeira.
Como segunda onde de crise no setor econômico, o pedido de recuperação judicial da SouthRock Capital, operadora de marcas como Starbucks, Subway, Eataly e TGI Fridays no Brasil sinalizou que os problemas decorrentes da fraca demanda e elevada taxas de juros se expandem também ao setor de foodservice e que a crise começa e ter característica mais sistêmica.
O Brasil deve fechar o ano com crescimento modesto de PIB em 2,92%, segundo o boletim Focus, e o controle inflacionário é um ponto positivo a se ressaltar. Nos negócios, as empresas buscaram preservar seus caixas e o foco voltou à eficiência operacional e a “fazer o básico bem-feito”. Esse comportamento que chamamos de paralisia nas ações de expansão de negócios foi motivado pelo cenário de elevadas incertezas e indefinição de rotas estratégicas a serem traçadas.
Para 2024, temos algumas certezas e muitas incertezas. As certezas dizem respeito a dois fatores:
- As mudanças tecnológicas decorrentes da 4ª Revolução Industrial vieram para ficar. As rotas estratégicas das empresas devem contemplar ações em direção a este novo paradigma como phygitalização, data analytics, utilização da IA, dentre outras.
- As mudanças no comportamento do consumidor também são permanentes. Os consumidores estão mais informados e inteligentes. E querem viver experiências phygitais, de baixa fricção e querem pagar pouco por isso. Querem consumir de empresas responsáveis e posicionadas. Querem se sentir únicos e incluídos. E a tecnologia existente hoje já apresenta caminhos visíveis e factíveis para contemplar esse novo comportamento.
Às incertezas dizem respeito principalmente ao cenário econômico e em como a economia responde às mudanças tecnológicas e do comportamento do consumidor. Para 2024, no mundo, a tendência de baixa liquidez continua, e as projeções indicam uma aterrisagem suave no processo inflacionário. Em termos de crescimento econômico, a projeção do FMI indica um aumento de 2,9%, abaixo da média histórica de 3%. É importante ressaltar que tanto inflação quando crescimento ocorre em um cenário de acirramento de desigualdades. Observa-se cenários mais favoráveis para as economias já mais desenvolvidas, o que atrasa o processo de convergência internacional.
No radar, deve estar a crise no setor imobiliário chinês, que pode impactar a economia global e deve impactar a economia brasileira, devido à exportação para este país de minério de ferro, principalmente.
O cenário para a economia brasileira para 2024 é bastante “morno”. O mercado sinaliza via Boletim Focus um IPCA de 3,93%, um crescimento do PIB bem moderado, de 1,51%, um câmbio de R$ 5 e redução da Selic para 9,25% (boa notícia). Neste contexto, fica em evidência que a instabilidade deve ficar por conta do cenário político, decorrente da incerteza quanto ao comprometimento principalmente com a política fiscal e as mudanças decorrentes da política tributária.
Apostamos que em um cenário de recursos curtos, de cenário econômico morno e de mudanças irreversíveis tecnológicas e no comportamento do consumidor, a grande estratégia é ir direct to consumer. As estratégias que têm o consumidor como centro (costumer centrics) e que criam um canal direto para este consumidor serão aquelas que irão entregar as experiências completas que este consumidor deseja, com um menor custo pela ausência de intermediários.
Neste sentido, acreditamos que ir direct significa colocar-se ao amparo das tendências que se apresentam no horizonte. Permite que as empresas mantenham um termômetro em tempo real com o consumidor e o mercado, entregando a melhor experiência com a possibilidade de responder com agilidade às mudanças que se observa.
O controle quanto à transmissão do que é, de fato, o DNA e a cultura da empresa é muito maior quando se vai direct to consumer, essencial em um cenário de concorrência acirrada e de pequena margem de erro. O menor investimento e melhor rentabilidades são visíveis em uma estratégia DTC (direct to consumer). O relacionamento direto também é muito receptivo à inovação e o vínculo íntimo e sem intermediários com o consumidor permite a colaboração e cocriarão. Em suma, observamos que a indústria que vai direto ao consumidor não volta atrás.
Finalizo este artigo desejando a todos os que nos leem boas festas e que o próximo ano seja de muitas conquistas. A Gouvêa Consulting agradece a todos que fizeram nosso ano de 2023 tão rico e de tanto aprendizado.
Carolina Cândido é consultora na Gouvêa Consulting.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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