O Brasil recebeu 6,4 milhões de turistas em 2019, último ano antes da pandemia – os dados mais recentes ficam distorcidos. Comparando-se com o ano 2000, 19 anos antes, esse número representou um crescimento de 20,7%. E apenas 44 % desses turistas tiveram como origem todas as outras regiões do mundo que não a própria América do Sul.
No mesmo período 2000-2019, o fluxo turístico global aumentou 131,6%, saltando de 633 milhões para 1,466 bilhão e tornando essa indústria uma das que mais crescem no mundo. O assunto é negócio muito sério. No Brasil é muito menos.
Para os que colocam nossa posição geográfica como um impasse natural, vale lembrar que o fluxo turístico dos demais países da América do Sul, no mesmo período 2000-2019, cresceu de 10 para 29 milhões de turistas. Ou seja, houve um crescimento de 190% no período. Nossos vizinhos, com todas suas limitações, têm sido muito mais competentes em atrair turistas do que nós.
Nesse período tivemos Olimpíadas em 2016, quando recebemos 6,5 milhões de turistas, e a Copa do Mundo de Futebol em 2014, com 6,4 milhões turistas. Nesse longo período de 19 anos, os picos foram em 2017 e 2018, com 6,6 milhões de turistas. Ou seja, consistentemente baixos.
O saldo da conta do turismo no Brasil, considerando receitas e despesas, segundo os dados do Banco Central, atingiu um déficit de US$ 11,6 bilhões em 2019 e, para efeito de comparação, esse valor também era negativo em US$ 2,1 bilhões no ano 2000.
A receita cambial global gerada pelo turismo em 2019 foi de US$ 1493,7 bilhões e o Brasil foi responsável, naquele ano, por apenas US$ 6 bilhões, 0,4% do total, ficando em 47º lugar na lista da Organização Mundial de Turismo. Para o tamanho do país e seus ativos turísticos, não faz o menor sentido.
A participação da receita cambial no turismo do Brasil em relação ao todo da América do Sul é de 20,3%, enquanto o nosso PIB representa 50% do PIB da região.
Só para efeito de provocação, enquanto recebemos 6,4 milhões de turistas em 2019, no mesmo ano a França, primeira no ranking global, recebeu 90,9 milhões; o México, 45 milhões; a Turquia, 51,2 milhões; e Portugal, 24,6 milhões de turistas.
Da forma como quisermos analisar, o negócio do turismo internacional tem um forte apelo econômico e tem sido tratado com crescente interesse estratégico, porém, no Brasil, temos patinado de forma consistente ao longo do tempo.
Para um país com a riqueza natural que tem o Brasil, com a diversidade cultural que possui e como uma das dez maiores economias do mundo, é inconcebível que o turismo seja tão pouco representativo sem que consigamos reverter esse quadro.
Não faltam informação, diagnósticos, iniciativas, autarquias e institutos. E a infraestrutura tem tido significativa, contínua e consistente evolução. Mas ainda com muito espaço para melhorar.
Como em muitos outros temas estruturais, faltam visão, proposta e determinação para implantar um projeto estratégico de longo prazo que possa gerar divisas numa das áreas em que o mundo tem mais se desenvolvido, envolvendo a combinação de Turismo-Lazer-Cultura e Entretenimento. Isso sem falarmos em tudo que envolve Sustentabilidade, que é um tema nervoso no cenário atual.
O Brasil tem muito para oferecer como oportunidades nesses campos. Muitos brasileiros só mais recentemente, durante a pandemia, descobriram mais sobre o próprio país.
Uma das principais razões para esse inconcebível desempenho é o fato que o Ministério do Turismo, historicamente, é uma pasta usada na barganha política com partidos e pouco se atenta ao preparo, competência, visão e capacidade para desenvolver um projeto sério, estruturado e de longo prazo.
A situação atual envolvendo o Ministério do Turismo é um exemplo eloquente dessa constatação.
Mas também é preciso lembrar que as próprias entidades privadas envolvidas com o setor não se organizam, integram e fazem valer uma visão mais estratégica para enfrentar a política partidária curto prazista que é em grande parte responsável por esses resultados pífios.
Em especial neste momento em que o Estado ampliou o número de ministérios para 37 para atender a compromissos político-partidários e nenhum deles é ocupado por líderes competentes e preparados do setor empresarial. Deve ser realmente difícil conseguir engajar líderes empresariais para contribuir com o Estado.
Também no setor de Turismo se torna ainda mais importante a organização e a integração das entidades e representantes do setor privado para defender interesses estratégicos que envolvem a visão do que é melhor para a nação.
Talvez fosse o caso de representantes das empresas do setor privado ligadas a toda a cadeia de valor que envolve o turismo internacional, hotelaria, companhias aéreas, operadores de cruzeiros, bares e restaurantes, agências de viagem e turismo se integrassem na forma de um grupo para pensar e implantar um projeto estratégico com foco na mudança desse cenário.
Se deixar nas mãos do Estado, como sempre foi, teremos mais do mesmo. E com alguma chance de piorar por causa do trabalho mais competente de outros destinos no mundo.
Uma fonte de inspiração pode ser o que o setor agro desenvolveu e que pode ser um exemplo de organização e conquista de resultados estruturais e de longo prazo por organização e competência dos empresários do setor.
Essa integração empresarial do setor privado pode evitar que continuemos a buscar explicações para uma inaceitável perda de receitas, empregos, renda, investimentos, negócios e também impostos, como demonstram os números dos últimos 20 anos.
Vale pensar e agir.
Nota: Todos os dados aqui apresentados têm como fonte o Anuário Estatístico de Turismo 2022, lançado pelo Ministério do Turismo no final do ano passado.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
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