O brasileiro consumirá neste ano a menor quantidade de carne vermelha por pessoa em 25 anos, estima a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Segundo o órgão, o cenário de crise dos últimos anos – com a recessão de 2014 a 2016, a lenta recuperação de 2017 a 2019 e a nova crise causada pela covid-19 desde o ano passado – vem derrubando o consumo total de carnes (bovina, suína e de frango) desde 2014.
A partir de 2013, quando atingiu 96,7 quilos por pessoa por ano, auge na série histórica iniciada em 1996, houve seis anos seguidos de queda. Neste ano, o consumo total deve ficar 5,3% abaixo do pico. O menor consumo tem relação direta com o preço. O aumento da produção dos frigoríficos destinada às exportações, em um cenário de cotações internacionais já elevadas, encarece as carnes também no mercado do doméstico. A inflação do produto está em 35,7% no acumulado em 12 meses, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Apesar da queda no consumo, o diretor de Política Agrícola e Informações da Conab, Sergio De Zen, disse que o consumo geral do brasileiro se mantém no nível de vários países, incluindo desenvolvidos.
Conforme um levantamento da Conab, a demanda anual de carnes na União Europeia foi de 89,3 quilos por habitante, média dos últimos cinco anos. Na Austrália, ficou em 101,2 quilos; nos Estados Unidos, em 116,8 quilos. “O Brasil está comendo menos carne bovina, reduziu bastante, só que aumentou o consumo de frango e (na carne) suínos. O consumo global caiu muito pouco”, afirmou De Zen.
Com a renda menor, as famílias compram menos carnes em geral e substituem as mais caras – em geral, a bovina – pelas mais baratas – como a de frango. A queda no consumo de cortes bovinos passa por um rearranjo na participação dos diferentes tipos de proteína na cesta de compras dos brasileiros.
Exportações
O menor consumo interno ainda tem outra explicação: a forte demanda externa, principalmente da China. A alta nos pedidos chineses tem relação com uma doença – não a covid-19, mas a peste suína africana (PSA), que assola os rebanhos do país asiático e das nações vizinhas desde 2018.
O impacto da PSA nos rebanhos suínos da China é forte, segundo José Carlos Hausknecht, diretor da consultoria MB Agro. No fim de 2019, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estimava em 7,7 milhões o número de animais abatidos em países asiáticos por causa da doença, transmitida entre javalis e porcos, mas inofensiva aos seres humanos.
Nos dados internacionais compilados pela Conab, o consumo anual total de carnes na China foi de 51,1 quilos por habitante, na média dos últimos cinco anos, o que sinaliza que a demanda por exportações para o gigante asiático tende a se manter, à medida que o rendimento das famílias chinesas siga sua trajetória de alta.
Na China, a carne de porco é a mais consumida. O país é o maior produtor global, mas a demanda da população de 1,3 bilhão de habitantes exige importações. O tombo na produção em 2018 e 2019 foi tão grande que levou os chineses a ampliarem suas compras no exterior de todos os tipos de carne, não só suína, mas também bovina e de aves. Esse foi o motor das exportações brasileiras de bovinos – que saíram de 1,479 milhão de toneladas e US$ 6,032 bilhões, em 2017, para 2,013 milhões de toneladas e US$ 8,506 bilhões, em 2020, segundo a Abiec, associação dos exportadores.
Frango e peixe
Nos corredores dos supermercados, os brasileiros se viram para se adaptar ao encarecimento da carne bovina, mostram relatos feitos ao Estadão em supermercados da Barra da Tijuca, bairro de classe média alta da zona oeste do Rio.
Nos últimos seis meses, a família do analista de sistemas Ricardo Marques, de 60 anos, vem reduzindo o consumo de carne bovina, por causa dos preços mais elevados.
Marques estima que o consumo caiu a um terço do habitual. “De vez em quando eu compro, mas espero uma promoção. Mesmo na promoção está caro”, completou.
Com o produto mais caro, a saída é migrar para o frango e, “eventualmente”, o peixe. “E mesmo assim o preço do frango está subindo”, ponderou Marques, que está atento à influência do mercado internacional nos preços. “Estão exportando tudo para a China e a gente está pagando o pato”, afirmou.
Marques mora com a mulher e o filho, na Barra da Tijuca. As compras no mercado, ele faz três vezes por semana. Assim, consegue observar de perto a escalada de preços dos alimentos. “A inflação de alimentos está subindo, não sei como os mais miseráveis estão vivendo”, afirmou o analista de sistemas.
A administradora de empresas Daniela Cristiane Rocha, de 39 anos, também reduziu o espaço da carne vermelha na cesta de compras da família. O frango ganhou destaque por causa do preço, mas também por demanda dos filhos, por causa da “moda fitness”, contou ela, também enquanto fazia suas compras.
“Estamos consumindo mais frango, às vezes peixe. Até o peixe, que era mais caro, hoje em dia está compensando muito mais do que a carne (vermelha)”, disse a administradora, que compra verduras e carnes semanalmente para a família, formada por ela, o marido e os dois filhos.
Morando sozinha no Rio, a aposentada Maria de Fátima da Silva, de 64 anos, já vinha reduzindo o consumo de carne vermelha, por causa da saúde. Frango, peixe, frutas e legumes agora ocupam mais espaço na sua alimentação. O que não quer dizer que a aposentada também não se assuste com os preços mais altos da carne bovina. Com frequência, ela fica na casa da filha, para cuidar do neto, que não dispensa a carne vermelha.
“Está muito cara. A alcatra, que compramos a R$ 29,90 (por quilo), já cheguei a comprar a R$ 22 (por quilo). Para mim, é caro”, contou a aposentada, enquanto escolhia um corte para o neto.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Vinicius Neder