Em março do ano passado, pela primeira vez na vida, a empresária Luiza Helena Trajano, presidente do conselho do Magazine Luiza, parou. A chegada da covid-19 e as primeiras medidas de isolamento social, que representaram o fechamento total do comércio do país quase do dia para a noite, causaram medo. “Eu paralisei nos dois primeiros dias”, conta ela, em entrevista exclusiva à plataforma Mercado&Consumo.
Mas, como tem sido característica de Luiza Helena desde jovem, quando começou a trabalhar na empresa criada pela tia de quem herdou o nome, a reação foi rápida. A executiva diz que ficou mais tranquila ao ver as medidas tomadas pelo filho, Frederico Trajano, atual presidente da empresa, e por todo o time. A criação de programas como o “Parceiro Magalu”, plataforma digital de vendas grátis para autônomos, micro e pequenos varejistas, e a participação no movimento “Não Demita!”, pelo qual as empresas se comprometeram a manter os postos de trabalho, foram algumas das medidas tomadas já naqueles primeiros momentos.
Hoje, Luiza Helena Trajano diz que tem aprendido muitas coisas nesse período. Entre elas, que a sigla ESG (Environmental, Social and corporate Governance), que define práticas ambientais, sociais e de governança, deve ser olhada com muita atenção pelo empresariado. “Quem não entrar no ESG não tem mais valor no mercado”, sentencia.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista que Luiza Helena Trajano concedeu à Mercado&Consumo.
Mercado&Consumo: O Magazine Luiza não parou nos últimos meses. Só neste ano, comprou mais de dez empresas, investiu em áreas das mais diversas, como conteúdo, tecnologia e logística. Além disso, já tinha uma estrutura online bem estabelecida, que permitiu que aproveitasse as oportunidades surgidas no e-commerce. Ainda assim, qual tem sido a maior dificuldade para você como executiva e quais têm sido os aprendizados da pandemia?
Luiza Helena Trajano: A primeira dificuldade minha foi que pela primeira vez eu paralisei nos dois primeiros dias. Eu sempre tenho medo, mas eu nunca paralisei. Eu fiquei dois dias sem conseguir entender nada, mas já sabia que a coisa ia ser muito séria. Depois disso, eu reagi muito rapidamente. Senti que a empresa estava bem, tomando as medidas certas.
Quando entramos na pandemia, nós já tínhamos 50% da nossa venda digital e não ficamos “dormindo” sobre esses 50%. O Frederico [Frederico Trajano, filho de Luiza e atual presidente da empresa] e toda a equipe criaram o “Parceiro Magalu” e apareceram 600 mil pessoas para vender para o Magazine Luiza. Eram pessoas que vendiam na rua, na praia, biscoito, picolé, artesanato, e que ficaram sem comida de um dia para o outro. Quando começou a pandemia, eu entrei no “Não Demita!” e o pessoal falava “Luiza, você tá ficando doida em não demitir?” E eu dizia: “Gente, quem pode não demitir – como era o nosso caso na época -, não demita”. O mercado vive da renda e do crédito, a renda só vem através do emprego, e cada vez que desemprega uma pessoa você está tirando do seu próprio mercado. A gente não só não demitiu como admitiu 5 mil pessoas na carteira no ano passado.
Também cuidamos da saúde da nossa equipe, com telemedicina, médicos por região, acompanhamento de cada cidade para saber como é que estava o índice de hospitais. Nós estamos fazendo todos os dias melhor do que a gente fez ontem e cuidando do nosso cliente e da nossa equipe. Nós estamos há 23 anos entre as cinco melhores empresas para se trabalhar no Brasil e comprando várias empresas, sempre com o cuidado de manter o nosso propósito, apesar do nosso tamanho.
Eu também comecei a entender que, apesar de eu ser bem voltada à tecnologia, eu não entendia nada de conexão digital. Comecei a estudar todos os dias e hoje eu dou aula de luz, de postura. Mas não é fácil, me exigiu muito isso. Nós tínhamos um só inimigo, que era o vírus, e ele entrou sem nos pedir licença. Desde o começo, eu me pus numa postura de respeitar o vírus, saber que ele veio para trazer minha impotência, e eu tinha que enfrentar isso. É muito importante a gente entender que esse momento exige muito cuidado com a gente mesmo e muito cuidado com os outros e essa pra mim é hoje a maior dificuldade.
“Eu sempre tenho medo, mas eu nunca paralisei. Eu fiquei dois dias sem conseguir entender nada, mas já sabia que a coisa ia ser muito séria.”
M&C: Como você acha que o empresariado brasileiro atuou e de que forma poderia ter atuado ou pode atuar ainda para ajudar nesse momento que a gente espera que seja de retomada?
Luiza Helena Trajano: As famílias empresárias e os empresários que estão na execução distribuíram R$ 7 bilhões – em UTI, hospitais e maquinário. Mas o mais importante é que nós desenvolvemos a cultura da doação, e o Brasil era muito atrasado nisso. O empresariado brasileiro não só doou, ele assumiu a doação, as famílias. Aumentou muito o nível de consciência dele. Se poderia ter sido mais ou não, não adianta também pensar nisso agora. É como no caso da vacina: não vamos buscar culpados, quem não comprou ou não, agora nós temos é que salvar vidas. Nós, como empresários, somos assim. Erramos, damos uma olhada no erro e partimos para o acerto o mais rápido possível.
M&C: O Grupo Mulheres do Brasil, que você preside, também criou um movimento muito importante para acelerar a vacinação. O Magalu também tem se destacado por ações não só relacionadas à questão da mulher, mas à contratação de negros, enfim, tem abraçado causas. Por que é importante para uma empresa abraçar essas causas?
Luiza Helena Trajano: Se fosse há um ano e meio, eu te responderia bem diferente do que eu estou te respondendo hoje. Diria que “vale a pena, o país é diverso, o país precisa ter diversidade, você precisa resgatar teu propósito, o propósito é que fica”. Eu vou responder bem diferente: depois do ESG, quem não entrar nessas causas não tem mais valor no mercado. Ele chegou no mercado financeiro, agora não é questão de opção mais. Então, quando eu estou com as diretoras de RH, ou com as gerentes de RH, eu falo para elas: a coisa mais importante é saber que a gente mudou de ciclo. Chegou o momento de mulheres, de diversidade, de negros, e a pandemia também acelerou isso. É sobrevivência, minha gente. Não é mais questão de optar. Senão você não fica mais no jogo. A gente tem de trabalhar com a indústria, com o descarte, ver onde podemos ajudar, porque se não pensar a sua empresa vai ficar fora do mercado, ou vai valer 50% a menos do que ela poderia valer. O consumidor não aceita mais, e o mercado investidor vai atrás do que o consumidor quer.
“Depois do ESG, quem não entrar nessas causas não tem mais valor no mercado.”
M&C: Depois de ter paralisado aqueles dois dias, qual é sua expectativa agora? Você consegue traçar um horizonte hoje?
Luiza Helena Trajano: Eu tinha quase certeza, lá para junho, julho agora, que a gente ia ter um final de ano muito legal, que ia aumentar o emprego. Mas com essa “brigaiada” política que nós temos, com uma inflação grande, com juro crescendo, eu hoje estou com um ponto de interrogação na cabeça. Porque vai ter consumo, mas a gente não vai ter o emprego que a gente quer enquanto a gente continuar se pautando por jogo político, que não é legal para ninguém, para nenhum partido. Eu estou clamando à população uma pauta positiva para o Brasil, sem ter um partido ou outro, sem brigar um com o outro, sem buscar culpados. Nesse momento, a gente tem que buscar solução juntos. Se a gente fizer isso, a gente vai ter um dezembro muito bom e a gente terá um ano que vem muito bom. Então, assim, vamos nos unir. Não importa qual partido, não importa se eu votei em um ou em outro, o que importa é esse momento, vamos deixar 2022 para daqui a um ano e meio, vamos cuidar daqui agora. Essa é minha proposta. Não vou sair candidata, não sou candidata, já estou avisando bastante isso, mas tenho um grupo com quase 100 mil mulheres que é um grupo político, suprapartidário, e que vai ter muitos projetos para o Brasil. São mulheres de todos os níveis e que sabem que a gente tem de estar junto para lutar pelo Brasil e ser o maior grupo político suprapartidário.
“Não sou candidata, mas tenho um grupo com quase 100 mil mulheres que é um grupo político, suprapartidário, e que vai ter muitos projetos para o Brasil.”
M&C: Que mensagem final você deixaria para esses brasileiros que estão ansiosos para ver uma retomada?
Luiza Helena Trajano: Primeiro, que o digital é uma realidade e não adianta fugir dele. A loja física não vai acabar, tanto é que nós entramos no Rio de Janeiro, mas ela se toma um outro rumo. Ela passa a ter a multicanalidade. Nossas lojas hoje são mini CDS que entregam o produto que o cliente comprou na internet.
Além disso, vamos trabalhar o Brasil, vamos acreditar, vamos parar de ser pautado por essa “brigaiada”, não vamos ficar dando diagnóstico e opinião no WhatsApp o dia inteiro, vamos fazer acontecer. O Brasil é maravilhoso, tem um consumo ótimo, uma temperatura maravilhosa, uma diversidade econômica maravilhosa, vamos lutar e vamos nos unir pelo Brasil.
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