Os dados estão aí e a realidade bate à porta. O que nos espera é uma retomada pífia em termos de crescimento econômico e social, além de um período de incertezas que deve tomar todo este ano com limitação de investimentos internos e externos. Em especial, o que envolve o consumo e varejo.
A combinação dos quatro fatores determinantes do comportamento desses setores – renda, emprego, crédito e confiança do consumidor – ponderada com o quadro político, ainda mais instável pela polarização atual, sinaliza as limitações estruturais para uma retomada mais vigorosa.
A projeção atual de estagnação do crescimento do PIB no Brasil, num cenário de retomada global, é um indicativo importante de nossas próprias opções, quando comparamos com as previsões para China, India, EUA e muitas outras economias que passaram pelo mesmo drama da pandemia, mas que mostram mais vigor na retomada.
É preciso entender que isso aumenta o fosso econômico e social com outras economias e continuamos a discutir temas paroquiais sem um projeto de longo prazo para o País.
Analisando os elementos que interferem no consumo e no varejo, no lado do emprego, temos um leve retorno, invertendo a curva anterior de aumento do desemprego, mas ainda temos mais de 12 milhões de desempregados pelos critérios tradicionais de apuração.
Sempre importante lembrar que temos uma situação de relevante mudança estrutural do emprego no mundo e no Brasil, por conta da expansão do autoemprego e o crescimento do empreendedorismo individual. Por opção ou contingência.
Só para comparar, tínhamos no final de janeiro deste ano perto de 13,5 milhões de microempreendedores individuais no Brasil, os MEIs. Exatamente há 10 anos atrás, em janeiro de 2012, esse número era pouco inferior a 1,8 milhão. Um crescimento marcante, em parte como resultados das mudanças estruturais no emprego no Brasil.
O elevado desemprego, a titubeante retomada econômica e a expansão do autoemprego por contingência são em parte responsáveis pela queda do rendimento médio, que está em R$ 2.373, com clara tendência de redução nos últimos anos.
A combinação de emprego e renda compõe a massa salarial atual de R$ 227 bilhões, que, em temos reais, é a menor desde 2014 e ainda é afetada pela expansão da inflação.
Do lado do crédito às famílias, por necessidade dos tomadores, a demanda e a contratação aumentaram, porém, com taxas cada vez mais altas desde o último trimestre de 2020, o que limita a condição de aumento do consumo.
Como resultado desses e outros fatores, o Índice de Confiança do Consumidor, medido pela FGV, está atualmente em 74,1 e permanece entre os menores níveis dos últimos seis anos, descontado o período mais dramático no primeiro trimestre de 2020 quando se noticiou o pandemia.
Tudo indica que permanecerá em baixos níveis, com soluços positivos e negativos até o final do ano, influenciados pelas questões de emprego, renda, inflação e política a partir do segundo semestre.
Essa combinação de fatores condena os setores de consumo e varejo a um 2022 de travessia com turbulência e sobressaltos, com menor apetite para investimentos e projetos mais ambiciosos.
E nos impõe um ano de estagnação social e econômica, ainda que com transformações importantes sendo implementadas por empresas e negócios visionários que enxergam um quadro mais positivo à frente, menos dependente do curto prazo.
Apesar desse cenário macroeconômico conturbado é importante destacar que muitas empresas e ecossistemas de negócios ligados ao consumo estão se movimentando de forma visionária com projetos importantes para acelerar seu crescimento.
Exemplos podem ser citados envolvendo Magalu, Carrefour, RaiaDrogasil, Americanas, Riachuelo, Renner, Arezzo, Telhanorte, Via, Big, Ipiranga, Pague Menos e outros mais.
De fato, o que tem alimentado a crença no Brasil é essa visão mais estrutural, em especial do setor empresarial, sem negar evoluções positivas em alguns setores e segmentos, a despeito das dificuldades do curto prazo.
O País tem evoluído em muitas áreas graças a uma combinação positiva de fatores, apesar dos problemas gerados pela política e pela economia oriundos especialmente do executivo, legislativo e o judiciário no âmbito federal, além dos desafios da burocracia e as limitações de infraestrutura.
Se para 2022 a perspectiva é de mais do mesmo, com o sentimento de desperdício de tempo e oportunidades, o que deve nos estimular é essa visão de que caminhamos devagar, quase parando, com exemplos importantes no setor de consumo e varejo para algo que pode ser melhor num futuro próximo.
Mas depende muito das lideranças empresariais, inspiradas por seu próprio exemplo de enfrentamento de cenários adversos, entenderem que não basta analisar e discutir. É preciso agir para transformar a realidade que temos para a realidade que queremos.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
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