Não bastasse a crescente descaracterização emocional do Natal pela evolução dos seus aspectos racionais, ele tem sido cada vez mais pressionado pelas ações de Black Friday, que se estendem por semanas, e pelas promoçõs de vendas de final e começo de ano. O resultado é um período muito menos emotivo e de oportunidade de união de pessoas e famílias que tem sido substituído por uma sequencia de ações e promoções que fazem com que ele seja cada vez menos representativo como momento especial no ano.
Para isso ainda contribuem os cartões-presentes que, práticos e eficientes em sua proposta de facilitar a vida de quem tem cada vez menos tempo para dar conta de tudo que precisa ser feito, de outro lado, também contribuir para descaracterizar o período e mudar o comportamento da curva de consumo dessa época.
Sem esquecer do crescente impacto das vendas do ecommerce que antecipam compras para os primeiros períodos do mes, para evitar os riscos de uma entrega atrasada, também alterando o comportamento anteriormente típico do período.
Mas não é só isso.
A recessão dos últimos anos agravada pela gestão temerária dos recursos públicos também tirou decoração, atrações e atividades que, num passado não muito distante, transformavam as cidades e criavam um clima onde as pessoas se viam e se sentiam diferentes e mais próximas umas das outras. E dispostas a viverem momentos especiais quebrando uma sequencia de pressões e contingências que a vida moderna, cada vez mais tecnológica, impõe.
As lojas, bancos, shopping centers, empresas de serviços e outras operações também recuaram em suas ações por conta de um natural comportamento mais cauteloso em tempos de racionalização, eficiência e pragmatismo. E o resultado é que se exponencia a componente racional tornando o período apenas uma sucessão de promoções que melhoram as vendas mas reduzem a lucratividade bruta. Consumir com a razão com menos espaço para a emoção.
O resultado é o sequestro do espírito do Natal.
Não desapareceu, mas está cada vez mais comedido, quase escondido. Mas não perdido.
Está na hora do seu resgate.
Por acaso, neste período final de ano, por necessidades profissionais, visitamos Nova Iorque, Londres e Paris, cidades também afetadas pelos macro-fatores, envolvendo e-commerce, Black Fridays estendidos, promoções de final e começo de ano, consumidores empoderados e mais o crescimento dos cartões-presentes.
Mas com algo muito diferente.
Nesses locais, tomados como amostra, ainda se aposta no lado emocional do período e as cidades, lojas, shoppings e empresas de serviços se transformam, se embelezam, se enfeitam, criando um clima festivo, apesar dos problemas econômicos e sociais globais, que a todos afeta, porém, deixando espaço para que possamos colocar um pouco mais de emoção em tudo.
Iniciativas de criação de espaços dedicados para vendas especiais de Natal, como na La Defense ou próximo a Champs Elysées, em Paris, decorações impactantes nas lojas, hypermercados, supercenters e shoppings em Londres e Nova Iorque, atrações e espetáculos em espaços públicos, ajudam a resgatar o tal espírito do Natal fazendo com que a dimensão racional seja amortecida pela emoção que vem de pessoas com maior envolvimento com o momento mágico que marca esse período e a entrada em um novo ano.
Problemas não faltam para ninguém. Londres e a Inglaterra vivem as indefinições sobre as consequências do futuro do Brexit. Nova Iorque, como todo os Estados Unidos, as expectativas, imprevisíveis, relativas a um novo presidente mercurial. Paris e a França, as consequências do declarado estado de emergência que reduziu o fluxo de turistas estrangeiros nos hotéis em mais de 30% no maior destino turístico do mundo.
Cada um com seus problemas mas todos mantendo vivas as crenças que o período é de emoção, muito mais do que promoção.
Não se prega ou se propõe a alienação em relação aos graves e sérios problemas que também temos por enfrentar no Brasil mas, já que queremos nos inspirar pelos mercados mais desenvolvidos, está na hora de repensarmos o que tem sido nosso pensar comum sobre isso e trabalharmos no resgate do espirito de Natal.
Talvez possamos concluir que a distensão tem muito mais benefícios que se possa imaginar na confiança e na emoção das pessoas e isso gera empregos, movimenta a economia, ativa negócios, nos faz refletir e nos faz mais humanos e felizes. Nem que seja por poucos dias. Vale a pena.