É comum ouvir a piada de dirigentes e recrutadores: hoje em dia, você não entrevista mais um candidato: é entrevistado por ele ou ela. Não é apenas sobre a vaga, os benefícios e o plano de carreira; a cultura e os posicionamentos sociais da empresa e de suas lideranças ganharam um peso nunca visto na história do trabalho. E não basta repassar a bela lista de valores gravada na página institucional: é preciso mostrar ações concretas de compromisso com a sociedade.
O mesmo acontece com consumidores, que cada vez mais priorizam produtos que tenham o impacto positivo como diferencial – e se o discurso não for coerente com a realidade, é rapidamente desconstruído pelas informações trocadas nas redes sociais, levando junto a reputação da marca.
Essa mudança de cultura acentuada nos últimos anos tem exigido de todos os profissionais – em especial daqueles na liderança – algo novo no currículo: uma posição clara sobre as causas que defendem. Pode ser na forma de trabalho voluntário e envolvimento público com organizações filantrópicas; no conteúdo produzido e compartilhado nas redes, se posicionando sobre temas sociais; e, claro, na influência que esses executivos exercem dentro de suas empresas, pautando mudanças, projetos, produtos e serviços de impacto positivo para a sociedade (e, obviamente, para a marca, que também ganha – e muito).
Isso é tudo muito novo, em especial para aqueles que hoje se sentam nas cadeiras de CEO. Para os nascidos na geração silenciosa (entre 1928 e 1945), os baby boomers (que chegaram ao mundo entre 1946 e 1964) e parte da geração X (nascidos entre 1965 e 1980), que representam boa parte dos dirigentes brasileiros atualmente, a escolha de uma causa e o envolvimento com a filantropia costumava ser algo discreto e fora do expediente. Trabalho é/era trabalho, e as aspirações priorizavam o crescimento econômico e a conquista da estabilidade – refletidos, por exemplo, em longas carreiras na mesma companhia.
Para esses profissionais, a chamada para se dedicar a questões sociais geralmente vinha mais tarde na vida e envolvendo mais doação de recursos e habilidades de gestão, como o patrocínio a eventos comunitários ou a participação em conselhos de organizações sociais. Não à toa, até ontem, a neutralidade era a posição mais comum no alto escalão – como todos são potenciais clientes, parecia melhor guardar para o plano pessoal as opiniões sobre temas sociais (que são, inevitavelmente, também temas políticos).
Esse tempo passou e, como dizem os recrutadores e profissionais do marketing, agora os colaboradores e consumidores exigem posicionamento claro das marcas que consomem – e daqueles que as lideram. Executivos também têm aprendido que se conectar a causas e exercer o apoio a elas publicamente traz um capital social muito relevante, que pode ser traduzido em reputação pessoal, visibilidade na mídia e engajamento de colaboradores. Da antiga discrição na atuação social, vemos hoje como o exemplo aberto dessas lideranças arrasta e tem potencial para criar movimentos maiores, formar redes de apoio e até gerar mudanças estruturais.
E que causas, afinal, mexem com o coração dos CEOs do varejo? Foi a pergunta que fizemos aos executivos que passaram pelo Varejo com Causa, pesquisa e evento que investigam a adesão do comércio a iniciativas sociais, disponíveis no site www.varejocomcausa.com.br. As respostas podem surpreender, e não raro têm mais a ver com as raízes desses líderes do que com seu trabalho.
É o caso de Sérgio Zimerman, CEO da Petz. A rede de lojas que ele fundou é muito conhecida pela intensa atuação na proteção animal – mas, do escritório para fora, Zimerman tem uma causa bem incomum: o xadrez. “Eu aprendi a jogar com meu pai e isso fez muita diferença na minha vida. Quero dar oportunidade para crianças de periferia terem acesso ao xadrez e, com ele, desenvolverem o raciocínio lógico e matemático, que ainda é pouco explorado no Brasil”, conta. Iuri Miranda, CEO do Burger King, também traz sua causa na bagagem de vida: “Eu, vindo do Nordeste, me sinto muito tocado pela questão da fome e da comida. Morando no Sul e no Sudeste, não se tem completa visibilidade de algumas coisas que acontecem em parte do Brasil”, admitiu.
O mesmo sentimento é compartilhado por Denis Minev, CEO das Lojas Bemol: “Minha causa do coração é a Amazônia: a proteção da floresta, a valorização da cultura cabocla, o desenvolvimento econômico sustentável… A Amazônia acolheu meu pai, refugiado da Bulgária, e a família da minha mãe, refugiada do Marrocos. Toda nossa família está aqui, e também nosso negócio. Não poderíamos ter outra causa.”
A atuação pode acontecer de muitas maneiras. Sergio Borriello, CEO de Pernambucanas, é tão entusiasta do poder da educação que abriu uma escola. Paulo Kakinoff, CEO da GOL, é voluntário no GRAACC, hospital referência no tratamento do câncer infanto-juvenil. Luiza Helena Trajado, presidente do conselho da Magalu, diz que sua causa é o Brasil, razão pela qual lidera diversos movimentos, como o Unidos pela Vacina e o Grupo Mulheres do Brasil.
Para conhecer mais histórias, vale a pena assistir os episódios do Varejo com Causa, nos quais esses CEOs conversam sobre temas de impacto social – e, claro, sobre suas causas. E perguntar por aí, sempre que possível: Qual a sua causa? E o que você faz por ela?
Roberta Faria e Rodrigo Pipponzi são co-CEOs do Grupo MOL, Ecossistema de Negócios sociais que promovem a cultura de doação.
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