Passada a euforia (assim como as decepções) com a Copa do Mundo, o brasileiro volta a encarar seu cotidiano e suas preocupações em relação ao futuro. A inflação vem erodindo seu poder de compra, o baixo crescimento econômico a sua confiança e o lento declínio do nível de emprego amplia esse quadro de insegurança.
É óbvio que esse cenário repercute negativamente sobre os níveis de consumo e diversas empresas do segmento varejista tem colhido resultados em temos de vendas aquém do planejado para o ano. Pior do que isso, uma das consequências de anos seguidos de crescimento fantástico do consumo no Brasil foi o encarecimento de determinados insumos relevantes na estrutura de custos operacionais do Varejo: mão de obra, aluguéis e transporte (que ainda tem potencial para crescer um pouco mais quando cessar o represamento do preço dos combustíveis).
A combinação de um volume de vendas inferior ao esperado, com custos operacionais majorados, atinge o Varejo particularmente em seu órgão mais sensível, as operações das lojas, dado o poder multiplicador que uma margem de contribuição mais baixa tem sobre a estrutura empresarial como um todo.
Os desafios para reverter esse cenário não são pequenos. Primeiramente porque o Varejo é um modelo de negócio intensivo em mão de obra e os últimos anos têm sido desafiadores em termos de administração de uma força de trabalho volátil, dada a situação de pleno emprego com que temos convivido, e com os problemas estruturais existentes por conta de um baixo nível de escolaridade (além do baixo nível da educação recebida) da população brasileira.
A imperiosa necessidade de formar essa mão de obra aliada às taxas elevadas de rotatividade representam investimentos adicionais penosos para o setor, ainda mais porque grande parte do contingente de pessoal contratado não recebeu qualquer formação para o exercício de funções no Varejo, cabendo essa responsabilidade unicamente aos empregadores.
Tal situação também tem grandes implicações sobre a produtividade no ambiente de loja. O grande número de atividades que é compartilhado com a equipe de uma operação típica de Varejo, requer um período relativamente extenso para que um profissional recém contratado, consiga apreender e reproduzir com qualidade, todo o conjunto de ações sob sua responsabilidade e é natural, que mais um período de tempo seja necessário para que ele possa desempenhar suas atividades com maior grau de produtividade.
Como a sedução por uma remuneração superior em outros segmentos, com carga horária e sacrifícios de final de semana menores do que aquelas exigidas pelo Varejo, tem sido intensa nestes últimos anos, esse ciclo de formação – compreensão – incremento de produtividade tende a ser interrompido com maior frequência, afetando severamente o desempenho do quadro de funcionários, um genuíno “trabalho de Sísifo”.
Tal situação geralmente resulta em duas possibilidades: ou um quadro maior do que seria necessário para cumprir com o nível de serviço determinado, ou uma loja cujas atividades não são cumpridas à contento, resultando em prateleiras desabastecidas, imagem de descuido, filas maiores no caixa, etc. Qualquer que seja a escolha, o resultado final não será bom, seja pelos custos adicionais ou pela perda de vendas, como reflexo de um mau serviço prestado aos clientes, sem contar com a erosão da imagem que isso representa.
Problema: parte desse cenário é estrutural. Quanto mais o Brasil aprofunda sua vocação para uma sociedade de serviços, a competição por mão de obra crescerá, enquanto a decantada revolução do ensino carece de metas, método e, de qualquer modo, só poderá representar uma melhora possível no ciclo de uma geração.
Inspirado no case de sucesso do selecionado alemão (creio que a derrota acachapante do selecionado nacional sensibilizou-nos frente a um modelo de pensamento que merece ser perseguido): não será possível alcançar mudanças substantivas apoiado em um mesmo modelo que sofre os impactos das mudanças já relatadas. Há que se construir um novo e ele terá que se inspirar em novos paradigmas de gestão de força de trabalho nos ambientes de operação de loja:
- Consumidores cada vez mais autônomos, fruto de uma sociedade que, paulatinamente, aprendeu a se valer de internet banking, e-commerce e com crescente uso de smartphones;
- Forte busca de conveniência por parte desse mesmo consumidor para contrabalançar os tempos cada vez maiores de deslocamentos nos grandes núcleos urbanos. Conveniência significa tempo menor para entrar, identificar o que se quer, pagar e sair e eventualmente, pedir para entregar em casa;
- Como consequência do item acima, as lojas terão que ser cada vez mais inteligentes, do ponto de vista de seus usuários, o que pressupõe comunicação visual eficiente, exposição qualificada e uma melhor construção do sortimento de forma a entregar o necessário sem tornar a loja sobrecarregada e de difícil entendimento por parte do consumidor;
- Maior uso de tecnologia e processos para gerir mais eficientemente a mão de obra. Se pensarmos nos exemplos da gestão das grandes centrais de atendimento, a imensa parcela das alternativas de respostas e procedimentos a seguir são previamente mapeadas, metas de produtividade são atribuídas aos atendentes e existe muita tecnologia disponível na gestão dos indicadores e na supervisão da qualidade da operação, com clara identificação sobre os momentos em que o supervisor precisa intervir na solução de um problema;
- Maior atenção sobre o nível de serviço oferecido ao consumidor, o que passa pela padronização cada vez maior das atividades, gestão sobre a qualidade da execução e uma preocupação sobre o processo de checkout, tornando-o o mais ágil possível, uma vez que é uma das grandes fontes destress para o consumidor e exige uma gestão mais qualificada das filas e do número de caixas abertos, além da adoção de novas ferramentas possíveis tais como “papa filas”, apoio no caixa em momentos de picos e até mesmo a incorporação de soluções de autoatendimento, com eventual suporte para os clientes que irão se utilizar desse recurso nas primeiras vezes.
Muitas outras questões poderiam ser exploradas nesse artigo, porém não se imagina que ele seja exaustivo sobre o tema. O mais relevante, contudo é que existe a necessidade de se repensar profundamente o modelo de operação das lojas do Varejo no Brasil, uma vez que o binômio: mão de obra barata e farta e alugueis baixos; já não cabe na realidade desse segmento em grande parte do país.
Esperamos que não nos leve tanto tempo para se desenvolver um novo modelo adequado às necessidades do Varejo quanto ao que custou ao selecionado alemão para se recuperar da situação pela qual ele passou entre 2000 e 2002 e retornar como campeão inquestionável em 2014.
Por Alexandre Horta (horta@gsmd.com.br), sócio sênior da GS&MD – Gouvêa de Souza.