A relação é direta. Quando os cenários econômicos se tornam mais difíceis, a reação quase automática dos consumidores é aumentar a vertente racional em seu comportamento de escolhas, compra e consumo. E isso redesenha no curto prazo, com reflexos também no longo prazo, a estrutura de mercado.
Na Europa o quadro dramático que conjuga inflação elevada (8,9% na zona do euro em julho) com os problemas de energia e combustíveis criados pela invasão russa e a falta de perspectivas de curto prazo fez exponenciar a componente racional do comportamento de consumidores que, historicamente, já eram reconhecidos por sua racionalidade de compra e consumo.
O menor crescimento econômico da China, agravado por outros problemas internos, em especial no setor da construção, reduziu o consumo e reacendeu o lado mais racional de um consumidor que começava a viver um idílio com as experiências e o consumismo, espalhando por toda a Ásia suas consequências.
Na América Latina, pressionada pelos problemas econômicos e a inflação, o comportamento de consumo também tem migrado fortemente para opções mais racionais.
Apesar de viver um clima econômico menos dramático do que a Europa, nos Estados Unidos a inflação elevada de 6,8% no final de julho, atípica para os padrões norte-americanos, acumulada com o crescimento dos custos de combustíveis numa economia que se move sobre rodas e a perspectiva de algum nível de depressão econômica próxima, despertaram o lado mais racional de compras e consumo impactando o mercado como um todo.
O resultado geral no cenário global é uma mudança significativa nos padrões de consumo quando comparados com o período pré-pandemia, com maior racionalidade em todo os processos.
E racionalidade maior significa escolher produtos, marcas, canais e lojas que se encaixem numa perspectiva de contração de consumo. Significa renunciar a alguns produtos, trocar marcas, escolher lojas mais simples e com menores preços. Significa também comparar mais e com mais cautela e cuidado alternativas de produtos, serviços e marcas que possam oferecer mais por menos.
De forma mais ampla o efeito direto no varejo e no consumo é impacto no volume de vendas e pressão sobre a rentabilidade operacional, uma vez que maior participação de produtos mais básicos na cesta de compras representa margens menores.
Mas significa também aumento do interesse pelas marcas próprias do varejo e potencial aumento por sua participação, em especial nos produtos ligados a alimentação, limpeza e manutenção do lar.
Outra consequência direta é o aumento de participação de mercado de conceitos e formatos ligados a valor, como warehouse clubs, supercenters, lojas de soft ou hard discount, como tem sido observado com o desempenho de redes como Costco, Aldi, Walmart, Lidl, Target, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos.
E sempre que estudamos comportamento geral de mercado é fundamental separar os nichos e segmentos imunes a essas variações, formado pela marcas e conceitos do segmento luxo – que podem até sofrer algum pequeno abalo, mas que têm sua participação quase que indiferente ao todo de um mercado por seu posicionamento e proposta de valor.
É inegável que para os conceitos, formatos e marcas desenvolvidos para tocar a emoção e com isso aumentar vendas e resultados, torna-se importante entender essa dinâmica emergente no mundo e se adaptar e adequar ao novo cenário, trazendo alternativas para buscar um novo equilíbrio entre razão e emoção, nas lojas, nas ofertas, na operação, nos serviços, no design e nas experiências oferecidas.
E isso envolve novas soluções tech e digitais para racionalizar custos ao mesmo tempo que se diferenciam na experiência ao consumidor. Repensar a oferta de marcas e produtos. A comunicação. O posicionamento. E ainda sem esquecer a crescente sensibilidade dos consumidores com respeito aos temas ESG.
Haja desafio!
E por aqui, no Brasil?
Por aqui temos uma conjugação de fatores que conspira na mesma direção do mercado externo, apesar das cores locais.
A ainda alta, porém declinante, inflação, a perda de valor real dos salários do setor privado, o desemprego ainda alto, mas também em redução, somado ao elevado nível de endividamento das famílias do Brasil real, levam a um cenário similar ao que vemos no mundo.
No Brasil real, da maioria esmagadora da população, existe um grau de incerteza, cautela e preocupação com o futuro mais próximo que é exponenciado pelo aumento da inflação de alimentos, sempre um tema muito sensível na formação do nível de confiança dos consumidores.
Parte desse sentimento pode ser reduzido com o início do pagamento do Auxílio Brasil para os segmentos mais carentes, mas as demais classes que formam o país real, não o da Faria Lima ou os bolsões econômicos mais favorecidos, estão sofrendo forte pressão no momento com inegáveis consequências no comportamento de compras e consumo, impactando o varejo, os centros de compras, as marcas e a indústria produtora.
Os próximos meses e semanas serão críticos nesse aspecto, pois é com esse sentimento que o país vai votar e fazer escolhas para os próximos anos.
O quanto a razão irá dominar o comportamento nas escolhas de toda ordem que serão feitas vai depender muito da melhoria dos indicadores de emprego, inflação, renda, massa salarial, crédito, inadimplência e, consequentemente a confiança no curto, médio e longo prazo.
Vale refletir.
Nota: Os principais temas que impactam o varejo e o consumo no Brasil, no Mundo e na América Latina, tudo centrado num consumidor ainda mais racional em seu comportamento e seus impactos no mercado, serão tratados no Latam Retail Show. O evento acontecerá em versão fígital de 13 a 15 de setembro com mais de 200 palestrantes, acima de 100 horas de conteúdo e com 8 pesquisas inéditas e exclusivas que ajudam a decodificar a realidade emergente e contribuir para o repensar de caminhos para empresários, empreendedores, executivos e profissionais especialmente ligados a esses setores.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
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