Polarização política à parte, o cenário à frente para o consumo e o varejo pode ser encarado de forma bastante positiva. E são fatos, números e tendências que suportam essa análise.
É reconhecido que são 4 fatores básicos fundamentais que determinam a maior parte do comportamento do consumo e do varejo numa determinada geografia, que pode ser um país, uma região ou cidade.
Renda, emprego, que combinados formam a massa salarial; mais crédito para pessoas físicas, considerando oferta, taxas de juros e inadimplência; e, por fim, a confiança do consumidor. Sem esquecer a inflação, que afeta, de forma direta, todos esses vetores.
A análise do comportamento recente desses fatores no Brasil, como mostraremos adiante, sinaliza uma perspectiva positiva à frente, que pode ser potencializada por eventuais repercussões de problemas enfrentados pelas maiores economias do mundo.
Se de um lado geram algumas dificuldades para o País, de outro, e talvez mais forte, criam oportunidades, considerando aspectos estruturais para combater de forma mais madura questões dramáticas enfrentadas por essas economias nos aspectos ligados à energia, combustíveis, alimentos e inflação elevada e com menos instrumentos para seu enfrentamento.
Olhando o cenário global, com uma visão isenta, deve-se atentar o fato de o Brasil ter uma população de 213 milhões de habitantes em processo de envelhecimento, mas ainda uma das mais jovens do mundo, com idade média de 33 anos, que sinaliza um mercado consumidor aberto, em evolução e amadurecimento.
Um País com recursos naturais, água, insolação e vento que geram energia renovável e não poluente em escala crescente. Com condições diferenciadas para ampliação da produção de alimentos por aumento da produtividade, sem expansão significativa da área cultivável.
E que tem se transformado em aspectos importantes em sua evolução como uma sociedade mais madura. Sem esquecer em nada o muito que deve e precisa ser feito em termos de redução da desigualdade social, de insegurança, nos temas de sustentabilidade e, principalmente, na melhoria significativa da educação.
Definitivamente tem muito por ser feito e de forma muito mais decisiva e urgente nesses temas.
Mas muito tem a ver com olhar o meio copo cheio ou vazio.
E em tempos de polarização na política é preciso isenção e informação para olhar o cenário e as perspectivas de forma mais abrangente e desapaixonada.
No que diz respeito aos fatores determinantes do comportamento do consumo e do varejo, vamos aos elementos que suportam nossa percepção.
Emprego, renda, massa salarial e inflação
A melhoria do nível de emprego é o primeiro elemento relevante da análise, já que tem impacto na formação da renda, da massa salarial e, de forma acessória, no nível de confiança do consumidor.
Como pode ser observado no quadro abaixo, depois de termos atingido o pico do nível de desemprego no 3º trimestre de 2021, vivemos um processo de recuperação. O nível atual, de 8,9%, é significativamente melhor em relação ao mesmo período do ano anterior e com tendência de continuidade de redução nos próximos trimestres.
E sem esquecer que temos um contingente de 13,5 milhões de MEIs (microempreendedores individuais), que cresceu de forma marcante nos últimos anos, por contingência ou opção, e que representam quase 70% das empresas ativas no Brasil.
Eram menos de 800 mil em 2010. Passaram para 5,7 milhões, em 2015, e chegam a 13,5 milhões no presente. A tendência é continuar crescendo, como reflexo de uma reconfiguração do quadro estrutural do emprego do País, que avança dentro dos princípios do que se convencionou chamar Gig Economy em todo o mundo.
E que pode também ser entendida como para parte da vocação empreendedora e inovadora da comparativamente jovem população brasileira.
Outro elemento das mudanças recentes de cenário envolve a evolução da renda real média dos trabalhadores.
Como se percebe no quadro, a renda real vinha declinante pela combinação do cenário econômico, sanitário e social adversos, os impactos nos salários pagos e a corrosão do seu valor real pela inflação. No último trimestre, iniciou-se um processo de recuperação do rendimento real com forte tendência de permanecer nos próximos trimestres incentivado pela recuperação da economia, redução da inflação e retomada dos investimentos do setor privado. Potencialmente ainda beneficiada por investimentos externos diretos pelas oportunidades que o País oferece.
A combinação da recuperação do emprego com o aumento da renda real determina a melhoria da massa salarial real, como se observa no quadro abaixo, que atingiu R$ 263,5 bilhões no trimestre findo em agosto, o seu maior patamar nominal dos últimos anos 10 anos.
Elemento fundamental na equação de consumo e, consequentemente, do varejo, a inflação tem poder corrosivo nos salários e forte impacto também na confiança dos consumidores, em especial nos segmentos de classe mais baixos.
Depois de atingir picos nos últimos meses por conta do rescaldo dos problemas da pandemia, incluindo a escassez de produtos e os custos logísticos, agravados pelas consequências da invasão russa e seus desdobramentos, temos um cenário de redução do nível de inflação no curto prazo e a perspectiva reconhecida de sua continuidade no futuro próximo.
De todos os componentes da inflação, nenhum é mais sensível do que o da alimentação, considerando seu impacto e participação no dispêndio das famílias de forma geral, em especial, para os segmentos de classe mais baixa.
E como se observa, superado o período mais dramático da inflação para o setor de alimentação, no lar e fora do lar, existe uma tendência declinante com perspectiva de continuidade de sua redução no Brasil.
Quando se compara com o cenário internacional, o quadro atual no Brasil de reversão dos níveis elevados de inflação são bastante distintos do observados na Europa e nos Estados Unidos, principalmente com sua tendência declinante e seus impactos positivos na renda real, na confiança do consumidor e no consumo de forma ampla, com reflexos diretos no comportamento do varejo.
Crédito, inadimplência e confiança do consumidor
Elemento fundamental no desempenho do varejo e consumo na realidade da população brasileira, com elevada participação das classes baixa e média, são a disponibilidade de crédito às famílias e o seu custo, medido pela taxa de juros.
Para melhor entender o comportamento desse elemento, é preciso olhar o cenário de forma mais abrangente, considerando a forte evolução que tivemos ao longo do tempo, tanto na tomada desse crédito como na inadimplência, medida pelo dado do Banco Central, para contas com atraso há mais de 90 dias.
Como pode ser observada, a evolução nominal do crédito tomado pelas famílias evoluiu 104% de agosto de 2015 a agosto de 2022, passando de R$ 1480,2 bilhões para os atuais R$ 3015,4 bilhões.
Sempre importante relembrar que o crédito às famílias e ao consumo no Brasil representa algo como 32% do PIB, número muito inferior ao de outras economias mais ou menos desenvolvidas que a nossa e com ampla possibilidade de aumento pela desconcentração dessa oferta e pela redução estrutural dos custos desse crédito, sem dúvida um dos maiores do mundo.
Ao longo desse tempo, a inadimplência tem oscilado e é inegável um crescimento mais recente desse percentual, como resultado do quadro econômico mais amplo envolvendo os dramas vividos na pandemia e seus impactos no emprego, na renda, nas taxas de juros e na inflação.
Mas se atentarmos para a variação da inadimplência ao longo desse período mais amplo, percebe-se que os percentuais atuais, de 3,7% para atrasos superiores a 90 dias, segundo dados do Banco Central, são menores do que no passado recente. E, com a melhoria da renda real, do emprego e da redução da inflação, além do conjunto de medidas adotadas pelas instituições financeiras públicas e especialmente as privadas, é possível antecipar a tendência ao seu declínio nos próximos períodos.
A melhoria do nível do emprego e da renda real combinada com a redução da inflação, em especial dos alimentos, tem efeito direto e positivo no nível de confiança da consumidor-cidadão, que mostra tendência de aumento. O índice de confiança é resultado da combinação dos fatores percebidos em relação ao curto e mais longo prazo e, nesse caso, a melhoria é percebida principalmente pela expectativa futura mais positiva.
Apesar dos índices atuais de confiança estarem ainda abaixo do passado, eles mostram importante recuperação em relação à realidade anterior vivida durante a pandemia.
E a confiança mais positiva e o emprego ampliam a disposição para uso do crédito para antecipar o consumo, em especial nas categorias de bens duráveis, que tendem a se beneficiar dos estímulos de curto prazo advindos com a proximidade da Copa do Mundo e das iniciativas promocionais envolvendo Black Friday e o Natal.
A análise desse conjunto de elementos avaliza a perspectiva de um período mais positivo à frente para os setores de consumo e varejo e devem estimular a continuidade dos investimentos das empresas ligadas diretamente a esses segmentos, envolvendo as indústrias fornecedoras de produtos para revenda, serviços, em especial os financeiros, os associados a produtos e tudo o que envolve a expansão de lojas, centros logísticos e canais digitais.
Que por sua vez tem efeito multiplicador no comportamento desses e outros segmentos.
Se aprofundarmos um pouco mais a análise, é possível entender que, setorial e geograficamente, esse crescimento terá comportamentos distintos considerando a evolução recente desses mesmos segmentos e o comportamento futuro gerado pelas variáveis que discutimos.
Vale a reflexão.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
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