Em 2013 tive o prazer de participar da um projeto do Sebrae/SC no qual o objetivo era alavancar a inovação em pequenas empresas do setor varejista. Há 10 anos, a percepção dominante no setor era de que a inovação era uma estratégia aderente à indústria e ao setor de serviços – principalmente de tecnologia – e que o varejo pouco podia se beneficiar desta.
Recentemente, e 10 anos depois, em uma visita a um parceiro, a mesma observação foi constatada, que mesmo os varejistas de médio e grande porte apresentam uma certa resistência à adoção de práticas mais contemporâneas, seja na operação, seja na gestão de empresas.
Trabalhando com consultoria após ter gerido uma incubadora de inovações, é possível diferenciar dois mundos dentro da economia de empresas. Um mundo da economia tradicional, que por vezes conversa com o mundo da inovação, e o mundo da inovação propriamente dito – por mundo da inovação considero aquele diretamente vinculado aos ecossistemas de inovação, principalmente hubs de inovação, incubadoras, aceleradoras, startups. Das características mais marcantes que separam os dois mundos, ressalto três diferenças de mentalidade:
1. Como é visto o mundo
As incertezas de um mundo em constante evolução são presentes e contempladas nas estratégias do mundo da inovação – o mundo muda o tempo todo e isso não é visto como algo preocupante, mas como fonte de oportunidades. Na economia tradicional, a mudança preocupa e há resistência em admitir que esta irá impactar a empresa.
2. Como é percebida a performance organizacional
Para estar apto a responder aos desafios de um mundo em constante evolução é necessário fomentar processos de aprendizado, então a mentalidade é ágil – baseada no conceito de fail fast. Os colaborares não podem ter medo de errar e serem recompensados apenas pelo seu sucesso. Devem ser encorajados a empreender seus projetos inovadores e o não sucesso é visto como aprendizado organizacional, o que torna a empresa mais preparada para responder a outros desafios.
3. Como a concorrência é percebida
Ter muitos players em um setor é bom, o setor se fortalece, a rede de fornecimento fica mais robusta, pessoas se qualificam para trabalhar neste, todo o setor ganha visibilidade. Projetos em cooperação e parceria com concorrentes devem ser normalizados. Toda empresa pode encontrar “o seu lugar ao sol” com um bom posicionamento e segmentando de forma adequada seus clientes. A open innovation mostra que sair à frente significa estar up-to-date com as tendências de mercado, antecipando-as. E o mundo do marketing digital mostra que, quanto antes as empresas se posicionarem, melhor é sua captação de leads.
Na versão mais recente da Innovative Workplaces, divulgada pela plataforma Technology Review do MIT e da qual constam as 20 empresas mais inovadoras do Brasil, as empresas de destaque foram: Ambev, Braskem, C&A, Banco Carrefour, Cisco, Conexa Saúde, G4 Educação, Generali, Hospital Albert Einstein, iFood, Movida, Nestlé, Olist, Omnify, Reserva, SAS, Siemens, Tecban, Vibra Energia e Wemobi (em ordem alfabética). Setorialmente, o varejo e consumo destacou-se com cinco empresas dentre as 20 mais inovadoras, seguido dos segmentos de tecnologia e telecom e finanças e seguros.
Neste contexto, ainda é correto afirmar que o varejo é pouco receptivo à inovação? A experiência em campo não refuta e realidade evidenciada pela lista do MIT e, de fato, o setor varejista principalmente de grande porte e vinculado ao setor industrial tem apresentado grande potencial inovativo. Porém, mesmo sendo o 6º maior mercado de vendas diretas do mundo – conforme a World Federation of Direct Selling Associations (WFDSA) – o Brasil ocupa apenas 54ª posição entre os países mais inovadores do mundo, conforme o Global Innovation Index 2022.
Pertencer ao setor varejista não é o que define se uma empresa vai ser inovadora ou não, esta é a questão. O setor de varejo e consumo apresenta grande potencial para inovação por conta de seus grandes números e principalmente sua proximidade com o consumidor final, podendo se tornar mais responsivo às mudanças observadas nos hábitos de consumo, que são fonte do que impulsiona todas as mudanças no mundo.
Neste contexto, ser mais inovador no varejo passa por internalizar uma mentalidade mais inovadora, ou seja, propiciar estrategicamente uma mudança na cultura organizacional adotando práticas de gestão mais condizentes com as três principais formas de pensar vistas no mundo da inovação.
Assim sendo, vê-se a importância da gestão estratégica voltada à inovação e da capacitação de lideranças para adentrar neste mundo, que demanda uma verdadeira revolução no DNA do varejo tradicional em direção ao mundo de infinitas oportunidades que é o mundo da inovação.
Carolina Cândido é consultora na Gouvêa Consulting.
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