A noite do Oscar está se aproximando e, neste ano, a premiação está despertando a atenção dos brasileiros como não se via há muito tempo por conta da indicação de “Ainda Estou Aqui”, filme de Walter Salles protagonizado por Fernanda Torres, em três categorias. Com amplo reconhecimento, a obra também vem sendo uma das responsáveis pelo retorno do público às salas de cinema do País neste período pós-pandemia.
Segundo dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine), o filme já levou mais de 4,1 milhões de pessoas às salas de exibição, tornando-se a quinta maior bilheteria para um filme nacional, com arrecadação de R$ 85,41 milhões. No mundo, o título já superou os R$ 100 milhões em bilheteria.
No geral, os dados da Ancine mostram que o público dos cinemas ainda está abaixo do registrado em 2019, período antes da pandemia de covid-19, que teve início em 2020. Mas a trajetória tem sido de crescimento. Em 2019, os cinemas brasileiros registraram uma média semanal de público de 3,9 milhões. Nas primeiras semanas de 2025, a média foi de 3,2 milhões.
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A renda semanal média em 2019 foi de R$ 68 milhões, contra R$ 65,8 milhões em 2025 até agora. No ano passado, a Ancine mostrou que os cinemas registraram uma renda total — entre filmes brasileiros e estrangeiros — de R$ 2,5 bilhões.
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A onda Barbieheimer e a força do Oscar
Recentemente, os cinemas brasileiros já haviam se beneficiado de outro fenômeno de bilheteira, o efeito Barbieheimer, com os lançamentos de “Barbie” e “Oppenheimer”, atraindo milhares de pessoas às salas e criando uma “disputa” sobre qual filme se sairia melhor nas bilheteiras. Ambos também tiveram várias indicações ao Oscar do ano passado, o que aumentou o interesse do público. No Brasil, o filme sobre a boneca mais famosa do mundo teve um desempenho melhor e arrecadou R$ 200 milhões, tornando-se a maior bilheteria de 2023.
De acordo com Patrícia Cotta, head nacional de Marketing do Kinoplex, o fenômeno Barbieheimer teve um impacto muito positivo nos cinemas brasileiros em julho de 2023. A rede de cinemas registrou um aumento de 92% no público em relação ao mesmo período de 2019, antes da pandemia. “Um resultado que demonstra não apenas a força dessas produções, mas também a retomada definitiva do hábito de ir ao cinema”, reforça.
“Esse fenômeno mostrou como filmes de perfis completamente diferentes podem coexistir e até se fortalecer mutuamente, gerando um engajamento cultural que ultrapassou a experiência cinematográfica. O buzz gerado nas redes sociais e a ideia de assistir aos dois filmes como um evento duplo incentivaram ainda mais a ida ao cinema, criando um impacto que beneficiou toda a indústria, provando que o cinema continua sendo um espaço insubstituível de entretenimento e cultura no Brasil”, acrescenta Patrícia.
E como os shoppings se beneficiam disso?
Grande parte dos cinemas no Brasil está presente nos shoppings, uma combinação que oferece conveniência para os frequentadores. Além de segurança, os shoppings contam com praças de alimentação, onde as pessoas podem comprar algo para consumir durante a sessão ou se distrair enquanto aguardam o início do filme. Ou seja: a retomada dos cinemas beneficia vários estabelecimentos ao mesmo tempo.
No Shopping SP Market, em São Paulo, o consumo nos restaurantes e lojas é ampliado na Semana do Cinema, em que são oferecidos ingressos com preços baixos para o público. “O setor de alimentação se beneficia diretamente desse comportamento. A conveniência de encontrar diversas opções gastronômicas no mesmo espaço incentiva os consumidores a realizarem refeições antes ou depois das sessões de cinema, tornando a ida ao shopping um programa ainda mais completo”, explica Edelcio Cazelato, superintendente.
Cazelato acredita que, neste ano, lançamentos como “Capitão América: Admirável Mundo Novo”, “Missão: Impossível – O Acerto Final” e “Avatar 3: Fogo e Cinzas” atrairão um grande público às salas de cinema, contribuindo para o aumento das visitas aos centros comerciais.
No Shopping Frei Caneca, também em São Paulo, que abriga uma unidade da rede Cinesystem, a história não é diferente. Carlo Zanetti, superintendente, afirma que os cinemas constituem um atrativo importante para um shopping center, especialmente à noite, nos finais de semana e feriados.
“A demanda nos restaurantes, cafés e praças de alimentação intensifica-se à noite e nos finais de semana. […] O aumento da circulação de pessoas no shopping favorece a visibilidade das opções gastronômicas, incentivando os consumidores a explorar mais o que o shopping oferece. O cinema também atrai diferentes perfis de público, o que tem contribuído para um consumo mais diversificado e equilibrado nos diversos pontos de alimentação”, destaca.
O MovieCom, do Shopping Penha, outro centro comercial da capital paulista, é um dos principais atrativos do empreendimento. Gustavo Salvagnini, gerente geral do shopping, afirma que, além de atrair público, o cinema contribui para o aumento das compras nas lojas e para a fidelização dos consumidores.
“O fluxo gerado pelo cinema tem tido um impacto muito positivo no consumo das lojas do shopping. Quando os clientes vão ao cinema, muitos aproveitam para fazer compras, realizar um serviço ou consumir na praça de alimentação e restaurantes. Esse comportamento tem sido frequente e percebemos que essa demanda por entretenimento só tem aumentado, e os consumidores buscam complementar a experiência com outras opções que o shopping oferece”, conta.
Concorrência com o streaming
É natural imaginar que, com o surgimento das plataformas de streaming, como Netflix, Max, Disney+, entre muitas outras, os cinemas estejam perdendo público. No entanto, de acordo com Patrícia Cotta, a rede Kinoplex não vê os streamings como concorrentes.
“Muitas vezes somos questionados sobre uma possível concorrência com o streaming, mas não enxergamos a tecnologia como concorrência, uma vez que são experiências absolutamente diferentes, e até mesmo complementares. Já é fato que os filmes que são exibidos no cinema obtêm mais sucesso quando chegam ao streaming. Ou seja, o sucesso de um é o sucesso do outro”, ressalta.
De acordo com ela, apesar de todo o conforto e conveniência de assistir a um filme em casa, nada substitui a “magia da sala escura”. “A ida ao cinema pode acontecer paralelamente com outras atividades, como jantar em família, fazer compras e até mesmo utilizar um serviço. Por isso, atualmente as pessoas tendem a preferir cinemas em shoppings”, acrescenta.
Ainda assim, ela reconhece que o hábito adquirido pelas pessoas durante a pandemia de não sair foi reproduzido no pós-pandemia, o que obrigou a rede Kinoplex a “realizar um forte trabalho no intuito de reconquistar esse público.”
Entre as ações, a rede apostou em uma política de preços ajustados e promoções atrativas, com o objetivo de tornar a ida ao cinema mais acessível. “Por meio dessas estratégias, tivemos um ano de 2024 excelente, marcado por conquistas expressivas, especialmente com a superação dos números de 2023. Para o setor como um todo, destacamos um aumento de 10% no público e na renda em relação ao ano anterior. Já os nossos cinemas receberam mais de 11,5 milhões de pessoas, e, em alguns meses, superamos até 2019, que foi histórico para o mercado”, conta.
Como estão as cineproduções nacionais?
O já citado sucesso de bilheteiras “Ainda Estou Aqui”, que acompanha a jornada de uma mãe lutando para manter a família unida após seu marido ser levado por militares durante a ditadura no Brasil e desaparecer, não é o único exemplo de sucesso de produções nacionais.
Segundo a Ancine, nas primeiras semanas de 2025, “O Auto da Compadecida 2” liderou as bilheteiras do País, com 1,95 milhão de espectadores e R$ 40,7 milhões em receita. “Ainda Estou Aqui” ganhou tração especialmente após as indicações ao Oscar e permaneceu na vice-liderança, com 537 mil espectadores e R$ 12,6 milhões em receita. Completando o pódio, ficou “Chico Bento e a Goiabeira Maravilhosa”, com 473 mil espectadores e R$ 9,1 milhões em receita. A apuração foi feita considerando o período entre 1º e 21 de janeiro.
Para Patrícia, esses sucessos sinalizam um novo fôlego para o cinema brasileiro e reforçam o potencial de crescimento do setor neste ano.
“O destaque de ‘Ainda Estou Aqui’ no cenário internacional, tanto pelo aumento expressivo de sua bilheteira no exterior quanto por suas indicações ao Oscar, representa um momento muito promissor para a indústria nacional. Esse reconhecimento abre portas para o Brasil no circuito global, ampliando a visibilidade de nossas produções e estimulando novas oportunidades de distribuição e coprodução”, diz.
Imagens: Reprodução e Divulgação