Inspirada pelo artigo publicado na segunda-feira por Marcos Gouvêa “Depois do Coronavírus: 14 transformações que ficarão para o varejo e o consumo” comecei a refletir sobre consequências do momento presente no comportamento de compras.
Quando iniciei minha atuação em marketing há mais de 20 anos, a recomendação técnica sobre periodicidade de estudos de comportamento de compras, considerava dois a cinco anos de intervalo dependendo do tema e da indústria. As mudanças da sociedade desconectada aconteciam em progressão aritmética o que permitia uma tomada de temperatura das transformações com grandes intervalos.
Com as mudanças criadas pelos avanços tecnológicos e pela web este intervalo foi reduzido para tomadas anuais. A mudança de mentalidades e comportamentos passou a ser uma constante e as relações com marcas cada vez mais fluidas. Agora diante deste contexto que se assemelha a filme de ficção, estamos vivenciando transformações estruturais cujo impacto terá que ser monitorado em tempo real.
O espírito dos tempos deste mês de março trouxe dois polos: em um extremo insegurança, medo, angústia, pessimismo e de outro perspectivas positivas. Algumas pessoas notaram que os céus estão mais azuis, rios mais limpos, ar mais puro. Se estão ou não, o que importa é como nos sentimos. Como nos sentimos é o que muda perspectivas, transforma mentalidades, insere novas práticas e muda relações com marcas. Entre o medo e a esperança destes dias podemos ter algumas consequências em comportamentos, como por exemplo:
- Aumento da cobrança de práticas empresariais: escassez e falta de itens nos supermercados e para consumo podem produzir – como aconteceu nos primeiros anos após a 2ª guerra mundial, maior reutilização de alimentos e insumos antes considerados impróprios (novos padrões de defeitos para frutas/verduras), aumento da sensibilidade para desperdício, aumento do questionamento de embalagens agora consideradas desnecessárias, consciência do excesso da amplitude de produtos e alternativas similares e maior cobrança para racionalização de portfólios;
- Reflexões sobre alimentação industrializada: maior preocupação com a saúde para enfrentar o vírus e mais tempo e disponibilidade em domicílio para preparar alimentos durante a quarentena, podem afetar a percepção da alimentação industrializada. As descobertas científicas propagadas nos últimos anos podem ter aumento de adesão, inserindo cobrança de consumidores para que a indústria alimentar oferte mais alimentos subtraídos em sódio, sal, açúcar, gordura, substâncias químicas, processados em geral substituídos por alternativas com apelo mais natural inspiradas no movimento “descascar mais e desempacotar menos.”
- Nos últimos dias houve um aumento na procura e na demonstração de afeto entre amigos, antes distantes. Esta atitude demonstra uma reação interessante ao caos: o fortalecimento de elos humanos. O aumento da convivência familiar destes dias trouxe stress para todos os integrantes, mas o medo pela vida dos entes queridos pode também calibrar valores, redimensionar o tempo(excessivo) que muitos dedicam ao trabalho em prejuízo de suas vidas pessoais. Este ano pode trazer novas dimensões de afeto e relações vida pessoal/trabalho.
- Impacto na arquitetura/dimensionamento dos espaços comerciais: nova consciência de raio pessoal (limite que não deve ser cruzado por outras pessoas sem permissão) criada pelo confinamento e orientações de afastamento entre pessoas durante a Crise Coronavírus. Esta nova dinâmica praticada durante a quarentena pode inserir receios de reaproximação física requerendo a ampliação de espaçamentos de filas de loja, áreas de circulação e corredores comerciais.
- Mais do ter, ou ser é viver: a ênfase em antídotos como a utilização de máscaras, álcool gel frequente, vitaminas, medicamentos que fortalecem sistema imunológico, aplicativos para exercícios físicos em paralelo com a consciência coletiva da fragilidade da vida, podem criar uma demanda por serviços, produtos e práticas que promovam a saúde fazendo que categorias e práticas associadas apresentem crescimento.
As transformações não estão mais lá fora, nas ruas, mas aqui dentro de nós e de nossas casas. Serão estruturais e abissais. Comece por desaprender o que acha que sabe sobre comportamentos de seus clientes. Nada será como antes.
* Imagem reprodução