Nunca se discutiu tanto sobre o momento atual e as perspectivas do futuro próximo. Mérito exclusivo do uso intensivo das redes sociais, onde todos se informam ou são informados em tempo real e se sentem obrigados a ter e a manifestar opinião sobre tudo e todos.
Essa é mais uma consequência da transformação acelerada pelo digital. E as redes sociais estão precipitando a comunicação e o relacionamento multidirecional, em substituição ao quadro do passado, unidirecional, quando líderes, a mídia e as marcas comunicavam e a grande massa lia, ouvia e tinha menos espaço para reagir e interagir.
O Brasil atual aponta para um período difícil à frente, por conta da polarização política institucionalizada, com mais do mesmo no cenário atual, correndo sério risco de se deteriorar.
É inegável que uma análise mais isenta politicamente irá constatar que foram feitos avanços estruturais em muitos aspectos, em especial envolvendo algumas reformas, como Previdência e Trabalhista, aquém de uma visão mais ambiciosa, além de outros aspectos institucionais e econômicos.
Destacam-se também a autonomia do Banco Central e a redução da concentração financeira via mercado até a consolidação do País como exportador global de alimentos, graças aos avanços da tecnologia e da pesquisa ligadas aos temas do agronegócio, mas ainda muito focado em commodities e menos em valor agregado com marcas e canais de distribuição.
São inegáveis evoluções importantes, mas muito aquém do que poderia e deveria ter acontecido no período.
A frustração com o descaminho das reformas Tributária, Administrativa e Política afeta questões estruturais e nos mantém gastando recursos e tempo de forma equivocada e errada, o que temos pouco.
O desperdício e uso inadequado dos recursos necessários para reduzir desigualdades e melhorar o quadro social geral são demonstrados pela baixa evolução real da renda, o nível do desemprego, a educação em níveis sofríveis e a segurança frágil e preocupante.
A polarização política e os baixos índices de crescimento econômico e social dos últimos anos desenham um cenário mais sombrio à frente sem que tenhamos condições de promover mudanças estruturais profundas como o País requer, pois nos concentramos nas questões menores da política partidária e do curto prazo, sem que possamos agir para criar, propor e integrar um projeto para o País.
Isso lembra em muito a figura dos sapos sendo cozidos vivos por não perceberem o aquecimento gradual da água. Desperdiçamos de forma inconsequente talento, tempo, recursos, visão e oportunidades para transformar, de fato, o País melhor estruturalmente.
E não é por falta de informação e discussão. É por falta de ação.
Muitos grupos, em especial do setor empresarial, têm se formado para discutir e debater diagnósticos e algumas propostas.
Entre os grupos que têm se mobilizado e apresentado caminhos para os desafios sociais, políticos e econômicos no Brasil podemos citar o Mulheres do Brasil, liderado pela empresária Luiza Helena Trajano, e o CLP (Centro de Liderança Pública), idealizado pelo cientista político Luiz Felipe D’Avila, que defende entre outras pautas a proposta de renda básica, que chega para unificar os programas sociais do País.
Conduzido pelo apresentador e ex-presidenciável Luciano Huck, um grupo de lideranças políticas e empresariais, entre eles o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga e o economista Daniel Goldberg, apresentou, na última semana, um documento com 22 propostas com temas prioritários, como a economia verde e o combate às desigualdades.
Outro exemplo que merece destaque é o Centro de Debate de Políticas Públicas, que defende uma reforma tributária que simplifique o sistema e reduza o custo para as empresas.
Quando feitas de forma isolada setorial, geográfica e politicamente, quase sempre, as propostas são feitas de forma correta, bem-intencionadas e estruturadas. Já quando são feitas de forma isolada, como sempre foi mantido o setor empresarial, fragmentado e dividido, os grupos ficam mais frágeis e manipuláveis.
Para algumas gerações essa é uma das últimas oportunidades de atuarem para promover a transformação estrutural requerida, agindo para além das questões do próximo período eleitoral, mas pensando em termos estratégicos na criação e implantação de um projeto para o futuro.
E o primeiro passo é integrar visão e ação para criar um fórum no setor empresarial onde as questões econômicas, políticas, sociais, de segurança, saúde e educação sejam tratadas para além das propostas dos próximos 4 ou 5 anos. Mas, sim, para os próximos decênios.
Reconhecendo que falhamos até agora ao não termos ainda um projeto de futuro para o Brasil, é preciso agir para criar algo que seja o verdadeiro legado para transformação estrutural pela obra dos empresários do presente.
Não podemos nos conformar com mais do mesmo do passado recente e da perspectiva presente.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
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