Enquanto o mundo vive o drama de uma nova guerra, uma outra revolução está em desenvolvimento envolvendo o emprego e precipitada pela exponenciação digital combinada com a reconfiguração das atividades econômicas pós-pandemia e os mais diversos movimentos que envolvem uma emergente atitude frente à vida por parte dos mais jovens.
O resultado é uma combinação de quase pleno emprego em determinados mercados, como Estados Unidos, mesmo com um grande contingente de profissionais que simplesmente não estão buscando trabalho, ao mesmo tempo em que em outros mercados, e Brasil é um exemplo, temos um número quase equivalente de desempregados e de empreendedores individuais.
Tudo isso ao mesmo tempo que cresce a gig economy, aquela que reúne profissionais que se autoempregam, prestando serviços eventuais ou constantes em termos individuais, trabalhando para si próprios ou para empresas de diferentes portes, num modelo que foi inspirado pela atividade de músicos e outros profissionais, mas que está cada vez mais difundido para diferentes segmentos de atividades.
Estudo do Pew Research Center divulgado em dezembro de 2021 indica que 16% dos adultos norte-americanos, com forte concentração nas idades de 18 a 29 anos e de 30 a 49, desenvolvem atividades profissionais por meio de plataformas gig, envolvendo em especial atividades nas áreas de Artes e Design, Entretenimento e Construção.
Publicação da Finances Online – Reviews for Business estima que o Brasil é o país com maior participação, 47%, de trabalhadores gig entre o total de trabalhadores, à frente de Estados Unidos, com 46% e seguido de Inglaterra, com 45%. Essa estimativa deve considerar a combinação de MEIs, informais e outras variantes para justificar esse percentual.
Tudo indica que estamos vivenciando uma realidade totalmente nova pela combinação, neste caso virtuosa, de variados modelos de relacionamento profissional que se desenvolveram por tudo que foi viabilizado pela maior e decisiva multiplicação das alternativas tech, mas também estimulados pela ampliação do home office durante e pós pandemia.
Mas parece existir uma outra componente fundamental nesse processo que, nos Estados Unidos, é nominada como “The Great Resignation”, em tradução livre, “A Grande Renúncia”, quando trabalhadores “renunciam às alternativas tradicionais de emprego em busca de algo mais gratificante, menos estressante e com mais espaço para viver a vida com outra perspectiva”.
Esse movimento é em boa parte responsável pela falta de profissionais nos níveis salariais mais baixos em muitos setores, mas em especial no varejo e na indústria de hospitalidade – bares, restaurantes e hotelaria -, ensejando problemas no nível de serviços e forte pressão nos custos para atrair e reter trabalhadores.
Não por coincidência, dentre os avisos mais usuais nas entradas de lojas, bares, hotéis e restaurantes está o “We are recruiting” e suas variantes.
O efeito direto disso é o aumento dos custos operacionais repassado ao preço de produtos e serviços, elevando ainda mais a inflação atual de 7,5%, a maior nos últimos 39 anos por lá.
Tudo isso parte desse complexo cenário de mudança estrutural do emprego no mundo e, também, com cores locais no Brasil.
E daí soa bizarro e fora de propósito qualquer tipo de proposta que proponha reversão na legislação trabalhista, retroagindo no que foi feito. Evoluímos alguns poucos passos quando da reforma trabalhista realizada.
O tema sem dúvida tem inegável atualidade, porém na direção contrária, para dar continuidade à transformação e modernização da legislação e à irreversível evolução estrutural do emprego no mundo e no Brasil.
O emprego não é mais aquele e a legislação deve se atualizar e modernizar para não ser atropelada pela realidade que se configura quando o país é apontado como aquele que lidera a participação do segmento gig no todo do trabalhadores.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
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