À medida que o setor de varejo se reinventa na interseção da tecnologia e das mudanças econômicas globais, eventos e pesquisas recentes oferecem uma janela para o futuro. A NRF 2024, realizada em Nova York, e o Fintech Festival de Cingapura compõem uma “rodada internacional” de insights, destacando tendências que estão moldando o mercado.
Além desses fóruns, pesquisas apontam para uma evolução que transcende fronteiras, com foco na resiliência, inovação e o crescente papel do e-commerce, sem subestimar a importância das lojas físicas. A convergência entre tecnologia financeira, experiências de compra aprimoradas e adaptação às mudanças econômicas destaca-se como um tema unificador, sugerindo um caminho vibrante e diversificado para o futuro do varejo.
A NRF trouxe informações interessantes sobre a expansão do e-commerce e seu impacto nas lojas físicas. Segundo dados apresentados na feira, em 2022, cerca de 2.600 lojas fecharam as portas, mas outras 5 mil foram abertas nos Estados Unidos. Somente no primeiro semestre de 2023, 3.420 lojas foram abertas no país. Esse fenômeno ressalta a vitalidade das lojas físicas na estratégia de muitas marcas, evidenciado pelo número de aberturas que supera o de fechamentos. Mais importante do que ter ou não ter loja física é a discussão de qual é o verdadeiro papel delas nesse “novo varejo”. Falarei sobre isso mais adiante.
Em meio aos temas que dominaram as feiras do setor, a explosão da Inteligência Artificial (IA) merece destaque. Esse crescimento é impulsionado por quatro pilares fundamentais: primeiramente, a quantidade sem precedentes de dados disponíveis no ambiente digital é um combustível para ferramentas de IA mais eficientes – diariamente o mundo gera 2,5 quintilhões de bytes de dados.
Em segundo lugar, a capacidade de armazenamento em nuvem, que viu um aumento exponencial nos últimos anos, facilita a expansão e a aplicação da IA em diferentes contextos – custo de armazenamento de dados: 1 Megabyte 1967: USD 1M X 1 Megabyte 2017: USD 0,02).
A conectividade aprimorada (5G já disponível para mais de 140 milhões de brasileiros) e a evolução da capacidade computacional, sem falar na computação quântica que está chegando aí, são os terceiros e quartos pilares, respectivamente, que, juntos, pavimentam o caminho para essa era de inovação sem precedentes.
Analisando o panorama nacional, percebe-se um interesse crescente dos empreendedores brasileiros em tecnologias emergentes. Um estudo recente conduzido pela Visa aponta 9 em cada 10 proprietários de pequenas empresas brasileiras (87%) veem a adoção da Inteligência Artificial e da automação nos próximos 12 meses como provável.
Essa tendência indica um mercado aberto às possibilidades que a IA pode trazer, sugerindo um movimento em direção à modernização e ao aprimoramento da eficiência operacional. A abertura para a integração de novas tecnologias reflete uma visão otimista do futuro, com foco na exploração consciente das oportunidades que a IA representa.
A hiperautomação surge como uma promessa de revolução no setor, com a integração entre lojas físicas e online e o uso potencial de drones e aparatos de robótica em diversas aplicações como picking, controle de estoque, segurança, automatização de processos produtivos e operacionais, concierge, dentre outras.
Este avanço sugere que uma grande porcentagem dos empregos no varejo poderá ser automatizada nos próximos 10 anos, alterando profundamente o perfil das oportunidades de trabalho no setor e exigindo uma requalificação da força de trabalho; afinal, algumas funções serão substituídas por máquinas, mas outras novas serão criadas e vão demandar um novo perfil de mão de obra, especialmente em tecnologia.
Outro assunto em alta, que revela uma tendência forte para o “novo varejo”, é a abertura de uma nova linha de negócio para os varejistas, de forma transversal (multisegmentos), chamada de retail media – a capacidade do varejista de monetizar seus espaços físicos e digitais com publicidade, porém, fazendo isso de forma mais personalizada e com uso inteligente de dados.
Nesse aspecto, a criação de conteúdo relevante apresenta-se como peça-chave para engajar os clientes e impulsionar as vendas, marcando uma mudança significativa na jornada de compra, que agora é mais orientada por conteúdo. Tradicionalmente, essa jornada é motivada por uma necessidade específica, na qual o consumidor, ao identificar uma falta, partia em busca de uma solução, culminando na compra. Essa equação tem se reconfigurado nos últimos tempos.
Hoje, vemos que o ponto de partida, muitas vezes, é o interesse despertado por algum tipo de conteúdo. Seja por meio de uma publicação em mídia social, um vídeo informativo ou um artigo envolvente, o conteúdo tem o poder de gerar no consumidor uma necessidade previamente inexistente. Esse interesse, agora aguçado, transforma-se em uma busca ativa por produtos ou serviços relacionados, conduzindo à decisão de compra. Esse movimento evidencia a importância de entender as preferências pessoais dos consumidores, transformando a forma como as marcas se comunicam e se relacionam com seu público.
Falamos no começo deste artigo sobre o “novo papel da loja física”. Pois bem, esse foi um tema exaustivamente discutido na NRF e na Fintech Festival. E a conclusão é de que esses espaços estão sendo repensados como hubs de experiências, não apenas vendendo produtos, mas oferecendo serviços e até soluções financeiras.
Esse novo formato de loja exige uma integração perfeita entre o digital e o físico, além de uma personalização que transcende o ambiente online, criando uma experiência de compra única e memorável para o consumidor. Essa evolução talvez explique os bons números de abertura de lojas que apresentei no início deste artigo. A coexistência é possível.
O futuro do varejo passa necessariamente por um “casamento perfeito” entre as novas tecnologias, a gestão eficiente do negócio (focado em geração de receita, novos clientes, redução de churn, eficiência logística), mas também da prática responsável da sustentabilidade, afinal existe uma responsabilidade social que precisa ser protagonizada pelo mundo.
Qual o impacto positivo estamos deixando no mundo? Como fazer uso das tecnologias, de fato, a favor do negócio e da estratégia e não porque é hype? Estamos diante de uma transformação significativa no varejo, e estou ansioso para explorar as possibilidades que esse futuro nos reserva.
Gustavo Turquia é diretor-executivo de Vendas e Soluções para o Varejo da Visa do Brasil.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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