Desde os tempos antigos, os jogos de azar fazem parte da vida humana. As primeiras casas surgiram em Veneza e, hoje, estamos testemunhando um crescimento exponencial deste setor em todo o mundo. Embora seja complexo à primeira vista, o universo de apostas pode se tornar uma fonte relevante de receita e desenvolvimento para o País. E é diante dessa dualidade, em que legalidade e regulamentação são fatores essenciais para um setor justo e sustentável, que reunimos especialistas da área para aprofundar a discussão em um painel exclusivo no primeiro dia de Febraban Tech 2024. A seguir, compartilho os principais insights.
Contamos com a participação de Regis Dudena, secretário de apostas e prêmios no Ministério da Fazenda, que traçou uma cronologia interessante ao analisar os passos da regulamentação das apostas de quota fixa no Brasil. O executivo contou que somente em 2018 houve uma legalização parcial dos jogos esportivos, mas apenas em 2023 a lei foi revisitada e uma nova diretriz foi aprovada, reconhecendo as apostas como uma atividade de serviço público. Com essa nova legislação, no início deste ano foi criada uma secretaria específica para centralizar e controlar estas atividades.
Vale ressaltar que a regulamentação envolve a criação de onze portarias, das quais quatro já foram publicadas. Entre elas, a portaria de meios de pagamento, que visa orientar o mercado sobre os fluxos financeiros, e a portaria com requisitos técnicos para que as empresas possam requerer a legalidade de suas operações. A saúde do apostador também é um foco importante, com a portaria de jogo responsável prevista para ser lançada em julho, e outra destinada ao combate à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo. Todas essas portarias são públicas.
O secretário também trouxe à tona as mudanças que a regulamentação trará para o ecossistema financeiro. O que se sabe é que a partir de 1º de janeiro de 2025 apenas apostas de quotas fixas serão permitidas no País. De um lado, apostadores deverão ser maiores de idade e movimentar dinheiro entre contas em seus nomes, com a adição de biometria facial para maior segurança. De outro, empresas deverão manter os recursos dos usuários em contas transacionais separadas dos fundos da casa de apostas, com uma reserva de R$ 5 milhões para cobrir possíveis quebras.
Em uma análise global, Marcio Malta, CEO do Sorte Online, ao entrar na discussão comentou sobre o impacto econômico com a formalização deste mercado. Enquanto outros países, como os EUA, contam com um impacto econômico significativo das apostas, representando cerca de 1% do PIB, o Brasil ainda tem uma penetração de apenas 0,22%. Além disso, a maior parte das transações de apostas não fica no País, resultando na fuga de capital.
Aqui chamo a atenção para o fato de que a regulamentação pode reverter esse cenário e gerar empregos, além de aumentar a arrecadação de impostos, contribuindo sobretudo para a integridade das apostas.
Outra análise que não posso deixar de citar é a de Renato Lahud, diretor de negócios da PagSeguro Internacional, que, ao abordar a complexidade dos meios de pagamento dentro do segmento de apostas, trouxe uma afirmação importante: além de entender o ambiente regulatório brasileiro, é necessário cumprir com normas e prazos internacionais. Ou seja, a nova regulamentação estabelecerá expirações para todas as transações, desde o depósito do dinheiro na casa de apostas até o saque dos ganhos.
Estou certo de que a regulamentação também se preocupa com o vício e o superendividamento, tendo a saúde mental e financeira dos apostadores como um dos temas centrais, uma vez que estabelece medidas para evitar que as pessoas contraiam dívidas para apostar. A meta é simplificar o controle regulatório e garantir processos transparentes. As empresas têm até 31 de dezembro de 2024 para se adequarem às novas regras; e a partir de 1º de janeiro de 2025, apenas as autorizadas e regulamentadas poderão operar no setor.
Em suma, é um processo multifacetado, envolvendo questões econômicas, financeiras e de segurança. Com a nova lei e as portarias em desenvolvimento, o Brasil está dando passos significativos para formalizar e regular este mercado, garantindo que ele contribua positivamente para a economia nacional enquanto protege os consumidores e mantém a integridade das operações.
Lucas de Paula Lima é head de New Ventures da ClearSale.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da MERCADO&CONSUMO.
Nota: A MERCADO&CONSUMO foi media partner da Febraban Tech 2024 e fez uma cobertura especial do evento.
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