Não. Não se trata de mais um artigo no calor das discussões que envolvem a crescente e indesejável polarização no plano político que nos atinge no momento. Nem a despropositada ação de ministro do STF contra empresários por troca de mensagens pelo Whats pessoal. Nem mesmo uma nova discussão sobre os caminhos do varejo e consumo no mundo como temos feito habitualmente neste espaço. Talvez nem devesse estar por aqui.
Mas tem a ver com algo muito sério e envolve os jovens brasileiros.
No período de quatro meses apenas acompanhamos informações que envolviam cinco casos de jovens, todos de famílias de classe social elevada, que tiraram sua própria vida em meio a um processo depressivo, em tratamento ou não. E um outro caso a tentativa, felizmente frustrada, foi divulgada publicamente, pois acabou envolvendo o estagiário de um conhecido escritório de advocacia.
A sequência de ocorrências intriga e preocupa e um mínimo de pesquisa encontra artigos diversos em especial nos últimos anos tratando do tema da escalada de suicídios entre jovens, mostrando que algo está errado e deveria ser enfrentado.
Algumas conversas tratando do assunto com cientistas, médicos e pesquisadores na área, pelo incômodo que o tema gerou, ainda de forma superficial, mostram essa escalada da ocorrência de depressão entre jovens num patamar muito alto e com avanços nos últimos anos que foram, parte deles, creditados à pandemia.
As causas parecem ser mais amplas e envolvem também questões ligadas às mudanças nas relações interpessoais nas redes sociais, os jogos que induzem crescimento da agressividade, os dramas do convívio com um ambiente cada vez mais competitivo, os desafios gerados pela volatilidade em tudo e outras mais.
Mas o fato é que existe uma escalada de ocorrências, em especial no Brasil, e isso tem sido estudado, pesquisado e se tornou tema de saúde pública. Porém pouco divulgado e discutido numa preocupação de que sua difusão possa ser fator de indução de mais ocorrências.
Em quase todos esses casos de que tivemos conhecimento, o que aconteceu envolveu jovens de famílias de bom nível social e econômico, o que minimiza algumas carências, que por problemas pessoais tiraram a própria vida em gesto extremo de incapacidade de conviver com sua realidade.
Nada mais dramático numa sociedade que oferece tanto, em especial para quem pode ter acesso, como era a situação desses poucos casos que tomamos como referência.
Quantos casos mais acontecem?
E, mais crítico, o problema no Brasil cresce, enquanto numa visão mais global estaria decrescendo.
Segundo matéria publicada em 23/05/22 no Portal Plural, enquanto no mundo as taxas de suicídio estariam declinantes (-36% entre 2000 e 2019, portanto pré-pandemia), no Brasil, com base em no DataSUS, as mortes por lesão autoprovocada entre 2011 e 2020 aumentaram 35%, ainda que com variação no período considerado em relação à pesquisa global.
O tema foi tratado em recente publicação (17/06/22) da Organização Mundial da Saúde (OMS), que tocou no tema de saúde mental e destacou que em 2019 quase um bilhão de pessoas, incluindo 14% dos adolescentes do mundo, viviam com um transtorno mental, potencial principal de gerador dos suicídios.
Segundo a mesma OMS, em 2019 a cada 40 segundos uma pessoa se suicida e essa é a segunda maior causa de mortes entre pessoas de 15 a 29 anos. Entre adolescentes de 15 a 19 anos, o suicídio foi a segunda principal causa de morte entre meninas e a terceira maior causa de morte entre meninos. O Brasil teria 6,7 causas de morte por suicídio por 100 mil habitantes entre 15 e 29 anos, classificando o país na 9ª posição global.
As redes sociais, o cyberbullying e mesmo o chamado efeito copycat acabam de um lado induzindo e de outro lado inibindo que esses temas sejam conhecidos e debatidos, contribuindo para que não seja tratado da forma mais direta e incisiva, como mostrou o trabalho “A influência das redes sociais nos casos de suicídio entre jovens e adolescentes brasileiros durante a pandemia”. Muitas de suas condições permaneçam no período pós-pandemia, como mostram os fatos relatados e baseado em artigo de Clodoaldo Moreira dos Santos Junior e Ana Lucia Vieira.
Se o tema despertar interesse e alguma atenção, fica a contribuição às eventuais iniciativas de prevenção para inibir esse crescimento e a solidariedade com os pais que perderam seus filhos nessas circunstâncias.
Mas não se deve ignorar que algo está errado nesses aspectos e o problema deve ser enfrentado de forma mais aberta e urgente.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
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