Durante a pandemia, assim como vários paulistanos, resolvi comprar uma casa no interior. Precisava respirar ares a ter de ficar trancada dentro de um apartamento. Nos finais de semana, costumo ir para lá e recarregar minhas baterias, pois São Paulo está um caos com tanto trânsito.
Mas trocando totalmente o assunto sobre bem-estar, quero falar sobre educação. Temos uma pessoa que cuida do nosso jardim e ele estava na casa do meu vizinho fazendo seu trabalho. Sua filha de 9 anos estava dentro do carro, esperando o pai terminar o serviço, num calor danado. Olhávamos de nossa janela a criança irrequieta dentro do veículo. Ao ver aquela cena, meu marido comentou comigo: “Vou falar com ele para deixá-la aqui em casa para brincar ou fazer alguma lição”.
O pai deixou e ela ficou conosco durante a manhã. Uma menina muito esperta e, durante nosso bate-papo, para minha surpresa, ela nos contou que estava na quarta série e ainda não sabia ler.
Não quis mostrar meu espanto, mas aquela informação, internamente, me deixou bem desconfortável. Pensei na bolha em que vivo, pois minhas filhas sabiam ler bem aos 6 anos. Numa quinta série, as matérias já começam a ficar mais complexas. E como continuar os estudos se você ainda não está alfabetizado.
Eu dei a ela um jogo de Resta 1. Levamos vários jogos para nossa casa no interior, pois o que mais chamava atenção é que minha filha mais nova, muitas vezes, esquecia o celular para brincar com os amigos, caminhar e jogar beach tennis no clube.
No entanto, eu tentei ensinar de diversas formas o jogo do Resta 1 e a menina, ainda não alfabetizada, não entendia como era. Não parei de pensar no gap entre as minhas filhas privilegiadas e a filha do jardineiro. Uma pesquisa da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), em 2018, já mostrava que famílias pobres brasileiras levariam nove gerações para alcançar a renda média.
De acordo com o IDEB (Índice de Desenvolvimento de Educação Básica), em 2017, tínhamos 50 milhões de crianças e jovens matriculadas em escolas. Mas vejam só os números que seguem:
– 18% abandonam o ensino fundamental
– 17% que concluem o ensino fudamental não vão para o ensino médio.
– 48% dos que ingressam no ensino médio, abandonam a formação
Nem é preciso fazer muitas análises para saber o porquê temos problemas na contratação dentro das empresas. Precisamos enfatizar o quanto a educação básica é importante. E, com a disseminação de redes sociais, a mentalidade mudou. Quantas histórias eu já ouvi, dizendo que prorrogaram inaugurações de lojas porque não havia pessoas capacitadas ou querendo trabalhar no varejo.
Dentro do Instituto Mulheres do Varejo, vamos formar mentoras, com uma parceria do Grupo Enora. Ao mesmo tempo, nos aliamos ao Emprega Comunidade, do G10 Favelas, para fazer com que essas mentoras possam dar mais perspectivas e apoiar, mostrando que é possível fazer carreira dentro do varejo. O que não podemos é esperar. Temos de ser protagonistas para mudar o jogo.
Eu sempre comento que no Japão, se falta papel higiênico (seja lá qual o motivo da prefeitura local não ter abastecido), os moradores ao redor daquela praça com banheiro público, fazem o abastecimento. É uma questão cultural que podemos implementar, mesmo que seja no passo de uma formiga operária.
E você, como pode contribuir com a educação dos seus próprios colaboradores?
Sandra Takata é presidente do Instituto Mulheres do Varejo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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