Para repensar programas sociais com seus impactos para o País

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Para repensar programas sociais com seus impactos para o País

“O Bolsa Família, que também já foi Auxílio Brasil no governo passado, completou 20 anos e é sem dúvida uma iniciativa fundamental para tentar minorar os problemas gerados pela desigualdade social crônica. Da forma como está estruturado tem gerado reais benefícios, incluindo o estímulo à educação dos filhos das famílias beneficiadas, mas também um indesejável comportamento que favorece o não desenvolvimento profissional, o subemprego, o não registro em carteira e distorce a realidade.”

Lançado há 20 anos com a proposta fundamental de ser instrumento de redução dos problemas sociais, o programa Bolsa Família teve significativo aumento em 2022 quando mais do que dobrou seu valor e foi tema relevante na última campanha eleitoral presidencial.

Foi mantido e ampliado em número de famílias beneficiadas no atual governo e os dados mostram 21,3 milhões de famílias beneficiadas com um repasse médio de R$ 681,00 no mês de dezembro passado. Esse repasse médio superior ao valor base tem a ver com o número de filhos envolvidos e estimulados à frequência às aulas. E surpreende notar que a maioria das famílias, 17,8 milhões, tem uma mulher como responsável familiar.

É importante sua manutenção, porém seu aperfeiçoamento é vital, pois tem gerado distorções que favorecem o subemprego, o não registro em carteira e um certo desestímulo ao desenvolvimento pessoal e profissional. Além de criar distorções nos indicadores de desemprego e gerar um problema futuro para a Previdência.

Seus méritos e benefícios foram recentemente atestados por pesquisa feita pela Escola Brasileira de Economia e Finanças (FGV EPGE) pelo potencial de reduzir a pobreza, aumentar os índices de escolaridade e poder aquisitivo da população no longo prazo.

Mas precisa e deve ser aperfeiçoado, pois cria um vínculo e uma condição que não estimula a evolução pessoal e profissional, gerando um efeito de dependência que só cresce com o tempo, ao invés de estimular a redução desse vínculo no futuro.

Na forma como está concebido e operacionalizado, trabalhadores, homens e mulheres, nas mais diversas regiões, preferem não ser registrados e não aparecem nas estatísticas de procura por emprego, pois assim podem manter o auxílio e complementam a renda com bicos ou trabalhos na informalidade.

Podem trabalhar apenas dois ou três dias por semana e fazem uma renda que permite viver dentro de padrões mínimos, em especial em áreas mais carentes. E isso envolve um contingente significativo, pois o exemplo de uns, cativa outros.

Na prática um dos membros do casal, ou um trabalhador individual, está cadastrado no programa, recebe o auxílio e não quer ser registrado para não perder o benefício, mesmo sabendo que significa não ter direitos assegurados pela CLT. O que provoca um problema também na Previdência, que deixa de receber essas contribuições e à frente terá que pagar as aposentadorias por idade desse contingente. Além de distorcer as estatísticas de desemprego pois não estão, oficialmente, procurando emprego.

Esse fato pode talvez explicar, porque a geração de vagas em 2023 deverá ser menor do que 2022, com projeção de 1,5 milhão de novos postos de trabalho em 2023, contra 2 milhões em 2022. Ao mesmo tempo que o número médio de famílias beneficiadas pelo programa saltou de 19,2 milhões em 2022 para 21,3 milhões em 2023, exatamente 2,1 milhões de novas famílias com um crescimento de 10,9% sobre a base anterior, muito acima do crescimento populacional.

O programa é particularmente importante no Norte e Nordeste, regiões onde os índices de pobreza são maiores, e contempla 58,6% das famílias beneficiadas, sendo que a população da região representa 35,4% do total no Brasil. A região Centro-Oeste tem 5,2% de participação no programa e representa 8,2% da população. E as regiões Sudeste e Sul detém 36,1% de participação no total de beneficiados, porém têm 56,5% da população brasileira.

O programa não pode ser negado e representa também um capital político importante para as regiões menos desenvolvidas do país pelo vínculo com o pagamento mensal e o relacionamento que se cria. Sem minimizar em nada o seu valor é preciso repensar seus controles e evasões, incorporar mecanismos de redução de sua dependência, além de estímulos para o crescimento do emprego formal com carteira assinada e alternativas para manter seu necessário papel social.

Não deveria ser instrumento de desestímulo ao trabalho formal e ao próprio sentido de desenvolvimento e crescimento profissional e, ao invés de celebrarmos seu crescimento anual, deveríamos buscar alternativas para comemorarmos sua redução pelo aumento do emprego e da renda real dos trabalhadores.

Como está estruturado é importante na redução da pobreza, mas atua na direção contrária gerando e ampliando a dependência. Por isso mereceria ser revisto nesses aspectos.

Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.

Imagem: Shutterstock

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