Cinema foi um dos segmentos mais afetados pela pandemia. Não só aqui, mas em todo o planeta. O medo de frequentar as salas de projeção, combinado com a vertiginosa evolução das plataformas de streaming, tornou o espectador mais exigente e seletivo. Para enfrentar esse cenário, para lá de desafiador, alguns exibidores estão investindo forte em campanhas de marketing, buscando reposicionar a experiência de ir ao cinema. Uma das iniciativas mais interessantes nesse sentido é a da Odeon Cinemas, que adotou o slogan “we make movies better” (algo como “nós tornamos os filmes melhores”, em uma livre tradução).
Para garantir o upgrade na experiência de assistir filmes, o pessoal da Odeon inventou quatro personagens, bastante inspirados nos famosos arquétipos junguianos. O “mágico” promete tornar a experiência mais imersiva, com tecnologias de projeção e som de última geração, além de poltronas ultra confortáveis. A “navegadora” facilita a vida dos clientes, permitindo que comprem e reservem seus assentos antes de sair de casa. O “criador” acrescenta sabor ao programa, por meio da oferta de comidas e bebidas de alta qualidade. E a “fabricante de memórias” lembra que a ida ao cinema não será esquecida tão cedo por corações e mentes dos clientes.
Por que estou contando essa história?
Bem, o paralelo entre cinemas e os shopping centers é meio óbvio. Ambos estão em busca de ressignificar a experiência do cliente. E, cá entre nós, o trabalho dos shoppings é até mais simples, por incrível que pareça.
Neste exato momento, nos quatro continentes, estratégias de reposicionamento estão em andamento. A Brookfield abraçou a ideia de tornar seus empreendimentos destinos completos para o entretenimento familiar. A Westfield acredita que os shoppings se tornarão microcidades superconectadas e orientadas para a melhoria do bem estar e envolvimento da comunidade que atende. Porém, vêm da rede americana Simon, a maior empresa de shopping centers do mundo, alguns dos exemplos práticos mais interessantes da evolução dos centros comerciais.
Simon está apoiando sua estratégia em cinco pilares: Live, Work, Play, Stay, Shop (Viva, Trabalhe, Divirta-se, Hospede-se, Compre). Em outras palavras, a aposta é toda na multiplicação da função dos centros comerciais, como espaços multiuso em contínua evolução, de modo a facilitar e tornar a vida dos clientes mais agradável. A ideia é criar lugares onde as pessoas queiram estar e se encontrar, vivendo experiências relevantes e diferenciadas. Veja o que escreveu recentemente o CEO David Simon no relatório anual de 2021: “Simon é uma companhia de ideias. Nossa missão é elevar e reinventar a experiência de compras de novas e inovadoras maneiras, para melhor servir os consumidores e as comunidades que atendemos.”
Em uma única frase, Simon alinhou vários conceitos importantes. Ele definiu a empresa como uma companhia de ideias e não de real estate. Isso significa admitir que as pessoas hoje compram mais ideias do que produtos, o que é muito inteligente. Depois acertou novamente quando falou em reinventar a experiência de compras de novas maneiras, tendo em vista não apenas consumidores, mas toda a comunidade que cerca cada empreendimento.
Os exemplos de como eles estão fazendo isso, na prática, são muitos. Todos têm como objetivo final propor uma nova experiência para os clientes dos shoppings da Simon. Vamos ver alguns?
- Os clientes podem reservar uma vaga no estacionamento do shopping, com hora marcada, como fazem com uma mesa no restaurante, antes mesmo de sair de casa. Prático, não?
- Se quiserem comer nos restaurantes do shopping, sem sair de casa ou do escritório, podem pedir direto no app da Simon, sem intermediários. Os shoppings também entregam em domicílio compras online realizadas nas lojas.
- Ao final das compras, se quiserem ir para o cinema ou outro lugar qualquer, sem carregar as sacolas, os clientes podem despachar as compras usando o serviço Dropit.
- Para divulgar novas marcas e produtos e proporcionar descobertas, a Simon conta com o Launchpad, uma espécie de showroom de produtos de última tecnologia, no estilo da b8ta. O The Edit é outra opção, funcionando como marketplace físico para marcas que ainda não têm estrutura para abrir uma loja.
- Caso o cliente seja estrangeiro, as lojas contam com um app que traduz na hora o que o consumidor está dizendo, seja ele brasileiro, chinês ou indiano.
- Serviços, como marketplace digital e fullfillment center no mall, para apoiar esforços omnichannel dos lojistas.
Você pode estar se perguntando: ora bolas, muitos desses serviços já estão disponíveis em shopping centers brasileiros. Pois é, estão mesmo. O que prova que várias das nossas redes mais estruturadas e shoppings independentes mais inovadores já estão trilhando o caminho do futuro.
Os cinemas têm diante de si um tremendo desafio, que é promover a ida às salas de exibição, melhorando a experiência do cliente. Nesse sentido, os shoppings têm uma vantagem: têm condições de agregar novas experiências. Pode ser atraindo operadores não tradicionais, como ginásios, espaços de coworking e marcas nativas digitais. Ou investindo pesado em áreas de gastronomia e entretenimento. Ou até mesmo facilitando a vida de quem preferiu comprar pela internet, mas ainda valoriza a conveniência de retirar o produto no mall. Por essas e por outras, é possível dizer que a tarefa de reinvenção dos shoppings pode ser mais simples do que parece. Desde que os antigos centros comerciais estejam dispostos a promover a gradual evolução do modelo de negócios, é claro. O momento é agora.
Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
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