O conceituado Wall Street Journal publicou, dois meses atrás, uma deliciosa matéria intitulada (em livre tradução) “Aquela nova livraria descolada? É uma Barnes&Noble.” É claro que eu, amante de livros e livrarias, corri para ler.
O texto traz inspirações interessantes para quem trabalha no segmento de shopping centers ou tem uma loja lá. Vou resumir aqui as principais informações, ok?
A virada da B&N começou em 2019, quando a empresa fechou o capital e contratou como CEO o britânico James Daunt, um respeitado livreiro independente. O plano de recuperação da empresa, desenhado por Daunt, baseava-se em combinar as vantagens de uma grande rede com a experiência oferecida aos clientes por uma livraria de bairro.
Quer saber como ele fez isso? Delegando poder para os gerentes de cada loja, que agora podem decidir quais livros cada livraria deve receber e até quais preços devem ser praticados.
Escala e padrão, que foram as grandes forças das redes de livrarias no passado, passaram a ser camisas de força no presente, na visão de Daunt. Por isso, a B&N quer ser reconhecida como um conjunto de 596 lojas locais, que respeitam o gosto e as características dos leitores de cada lugar.
Agora muita atenção, porque vem aí um insight poderoso para os shopping centers.
Todo mundo sabe que a necessidade de mudança na forma de atuar das livrarias é consequência do avanço do digital. No passado, se a gente queria comprar um livro específico, tinha que ir em uma livraria. Hoje, muitas pessoas fazem isso na Amazon ou outros sites de e-commerce.
Para competir com o estoque ilimitado e preços das lojas virtuais, é preciso repensar a função das livrarias. Isso significa oferecer os produtos que as pessoas precisam, mas também o que elas não sabem que querem. “A gente está aqui para ajudar as pessoas a navegar pelos produtos da loja”, ensina Daunt.
A ideia-chave é proporcionar descobertas.
Para facilitar esse processo, mais livros estão expostos com a capa voltada para o cliente, os vendedores têm liberdade para colar anotações manuscritas com recomendações de livros nas prateleiras e as mesas de exposição são montadas de acordo com o gosto da comunidade local.
Tem mais: o livro do Keith Richards deixou a seção de biografias e ficou ao lado de outras obras sobre os Rolling Stones. Outro exemplo: em vez de organizar os livros de história por ordem alfabética de autor, a B&N está usando o critério cronológico. Faz muito mais sentido. Segundo Daunt, os resultados de uma livraria estão diretamente ligados ao seu visual e à maneira como os produtos são expostos.
No final do dia, a livraria deixa de ser um ponto de venda de livros para ser um lugar onde pessoas que amam histórias passam bons momentos. Movimento bem semelhante ao desafio dos shoppings, não é?
O melhor é que a estratégia já está dando resultado. Uma das métricas importantes para medir o desempenho das livrarias americanas é a taxa de devolução para as editoras dos livros que não foram vendidos. Quanto menor for esse número, melhor. Em 2019, essa taxa chegava a 25% na Barnes&Noble. Hoje, está em 9% e a meta é chegar a 5%.
Outro dado que comprova o acerto das medidas implantadas por Daunt: ainda em 2023 devem ser inauguradas 45 novas lojas, incluindo algumas B&N que haviam sido fechadas no passado e vão reabrir com tamanhos mais reduzidos.
No Brasil também estamos vivendo uma retomada das livrarias em shopping centers. Leitura, Travessa, Livraria da Vila e outras mais mostram que o setor está longe de jogar a toalha. Escrevi sobre isso outro dia.
Moral da história: as livrarias não estão morrendo. Estão se reinventando. Assim como os shopping centers. E um monte de outros negócios.
Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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