Há sete anos, praticamente metade das lojas de um shopping center vendia moda. Hoje, outros segmentos como alimentação, entretenimento e bem-estar, roubam a cena no tenant mix (mescla de inquilinos). O que aconteceu? É simples. Os centros de compra do passado ganharam novas roupagens e funções na vida das pessoas.
O Credit Suisse produziu, sete anos atrás, interessante relatório onde analisou o mix das principais empresas de shopping centers no quarto trimestre de 2016. Os shoppings da Multiplan, na época, possuíam 51% das lojas dedicadas à moda. No Iguatemi esse percentual era parecido: 49%. No portfólio da Aliansce e brMalls, moda representava algo em torno de 45% da quantidade de lojas.
De lá para cá muita coisa aconteceu. O protagonismo do segmento de moda diminuiu. A ideia do shopping como destino de convivência e diversão consolidou-se. O digital mudou hábitos, em especial após a pandemia, e levou marcas importantes às cordas. Diante disso tudo, estranho seria se os shopping centers ficassem iguais.
Não ficaram. Na Multiplan, somente 33% da ABL (área bruta locável) são hoje ocupados por lojas de vestuário, uma queda de três pontos percentuais em comparação com 10 anos atrás. Por outro lado, o setor de comida e bebida cresceu 3,5% no período.
Isso é apenas o começo. Na expansão do ParkShopping Barigui, que a Multiplan possui em Curitiba, os destaques serão a ampliação do ParkGourmet, a chegada do playground indoor FunPark, a volta do Hot Zone e um centro médico com quatro mil metros quadrados. Ou seja: o trio gastronomia, entretenimento e serviços reinará na nova área de 15 mil metros quadrados.
Esse não é um movimento isolado. Nos empreendimentos da Ancar Ivanhoe, as operações de alimentação ocupam hoje 25% da ABL. As de entretenimento, 5%. Serviços somam 10% e lojas que oferecem bem-estar contribuem com 15%. O restante do varejo, incluindo moda, fica com os demais 45% das áreas de vendas.
Na opinião de Evandro Ferrer, CEO, da Ancar Ivanhoe, gastronomia, entretenimento e bem-estar serão as novas ancoragens dos shoppings. “Hoje possuímos 21 restaurantes no Nova América (RJ), todos operando bem. No Botafogo Praia Shopping são 12 restaurantes. Isso sem falar nos ‘pontos de parada’, que é como chamamos os cafés, gelaterias, docerias e chocolaterias, que têm crescido muito. A demanda dos clientes parece não ter fim”.
Outra aposta certeira de Ferrer é no segmento chamado de ‘bem-estar’. “Bem-estar é tudo o que faz bem a você: academia, estética, massagem, cosméticos e farmácias, que hoje vendem muito por conta dos produtos de beleza”.
O Center Norte, em São Paulo, também está surfando as ondas no novo tenant mix. Aproveitou a expansão, inaugurada no final de outubro, para ajustar a oferta de lojas às demandas do consumidor. Além das novas marcas, trocou uma TNG pelo Cruzeiros Bar e uma hamburgueria por dois bares que ainda não haviam chegado à Zona Norte: o Pirajá e o Vaca Véia.
Investiu ainda no varejo de experiência, ampliando a loja da iPlace, para que pudesse agregar serviços e trouxe a Lego. “Identificamos a necessidade de aumentar a oferta de experiências para o público infantil, o que a Lego faz muito bem”, explica Guilherme Marini, Diretor de Shoppings da Cidade Center Norte.
É evidente que, além de lojas entrando nos shoppings, há outras saindo. Marcas importantes, como Marisa, Americanas, Tok&Stok, Livraria Cultura, Amaro e Starbucks fecharam lojas esse ano. Porém, no frigir dos ovos, o que parecia um enorme problema revelou-se uma oportunidade para bons ativos.
“O alto turnover em 2023, no final ajudou, proporcionando espaço para mais mudanças no mix”, explicou Armando d’Almeida Neto, Diretor Vice-Presidente e de Relações com Investidores da Multiplan.
É fato. Nos últimos 12 meses, terminados em setembro, a Multiplan promoveu a troca de quase 80 mil metros quadrados de área de lojas, algo perto de 9% da ABL total. A vacância se manteve em 3,6%, um patamar relativamente baixo. Isso aconteceu porque novas lojas abriram, em especial no setor de alimentação.
Algo semelhante aconteceu na Allos. “Nas últimas trocas que fizemos observamos que as lojas que entraram estão vendendo 33,9% a mais do que as que saíram”, informou Felipe Andrade, Diretor Comercial, em entrevista recente ao jornal O Globo.
Outra mudança em relação ao passado é a distribuição estratégica das lojas ao longo dos corredores. “Pensar uma melhor experiência do cliente como um todo pode significar colocar uma oferta de chocolate, doce ou sorvete ao lado de uma loja de moda, por exemplo”, ensinou Marini, do Center Norte. D’Almeida Neto, da Multiplan, concorda. “A gente tinha a estratégia de deixar tudo muito organizadinho. Mas o shopping agora precisa ser a réplica da rua. E a rua não é tão organizada assim”.
Uma preocupação que permeia a indústria de shopping centers é com o pequeno lojista, que vem perdendo capacidade de competir com as grandes redes e franquias. “Temos feito mais negociações com esses grupos com melhor estrutura, mesmo que eles dependam de franqueados e menos com lojistas independentes”, relata Marini.
Ferrer, da Ancar Ivanhoe, também reconhece o risco que os pequenos varejistas correm. “Temos que nos preocupar com nossos lojistas. Hoje cerca de 30% das lojas são isoladas, não pertencem a uma rede e, portanto, contam com menos suporte.”
Para atenuar o problema, a Ancar Ivanhoe disponibiliza para os lojistas a Universidade do Lojista, pensando no desenvolvimento não somente do empresário, mas também das equipes de venda. “Queremos que o vendedor queira trabalhar em uma loja localizada em um shopping da Ancar porque ali ele sabe que terá apoio para se desenvolver”, afirma Ferrer.
Não há dúvida de que o tenant mix mudou. E sobram certezas de que continuará a mudar. “Não termina nunca, é um trabalho contínuo”, sintetiza Marini. Ele está certo. O desafio não é apenas ajustar o conjunto de lojas às demandas atuais dos consumidores. É construir processos para evoluir permanentemente.
D’Almeida, da Multiplan, acredita que é o consumidor quem determina o mix do shopping. E as pessoas mudam o tempo todo. Por isso, é tão importante investir em pesquisas e informação para desenvolver a inteligência comercial. “Temos uma quantidade absurda de dados extraídos da operação, que direcionam para onde o mix deve seguir. Usar dados que você tem, hoje, é a melhor forma de fazer isso”.
Usar dados e pesquisas com o consumidor é, de fato, essencial. Mas tudo isso vale pouco se os shoppings não se libertarem de antigos mitos. Até pouco tempo atrás, o mercado consultava uma tabela para construir o mix ideal. Hoje, receita de bolo não funciona mais.
Ferrer acredita que é preciso revisitar a classificação de mix do passado para trazer mais diversidade. “As estratégias comerciais devem ser mais dinâmicas, permitindo mais liberdade para criar”.
É bem por aí. Quem viver, verá.
Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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