Após 2 anos de retração, startups nacionais projetam retorno dos grandes investimentos

Em 2022, apenas duas startups do Brasil passaram a ter o "título" de unicórnio

Após dois anos de forte retração, demissões e encerramento de atividades, o setor de startups projeta uma recuperação neste ano, com a volta gradual de investimentos e de rodadas de captação. O movimento de investidores, porém, ainda se manterá muito distante do “ano de ouro”, em 2021, quando havia abundância de recursos no mercado e as captações mais que triplicaram em relação ao ano anterior – que já tinha sido bom – e atingiram US$ 11 bilhões (por volta de R$ 54,2 bilhões).

O melhor ano para o segmento veio acompanhado de recordes de rodadas – 948 ao todo – e de 11 empresas que se tornaram unicórnios, segundo a Sling Hub, uma plataforma de dados sobre o mercado de startups. O apelido, uma alusão a algo raro, especial e mítico, é dado às empresas iniciantes avaliadas em US$ 1 bilhão (R$ 4,9 bilhões) antes de abrirem capital em bolsas de valores.

Em 2022, apenas duas startups do Brasil passaram a ter o “título”, a Dock (de tecnologia para serviços financeiros) e a Neon (instituição financeira de pagamentos). No ano passado, apenas uma – a Pismo, desenvolvedora de tecnologia bancária e de pagamentos – recebeu o título em junho, ao ser comprada pela Visa.

O Brasil tem atualmente 26 unicórnios, de acordo com a Sling Hub. A primeira a entrar para essa categoria especial foi a 99, em 2018, seguida por Nubank e iFood. Ao todo, há cerca de 14 mil startups no País, segundo a Associação Brasileira de Startups (ABStartups).

Com as expectativas de um aumento nas captações, ainda que discreto, há seis startups na lista de apostas de analistas para se tornarem unicórnios neste ano ou no próximo. Quatro são fintechs, ligadas ao segmento financeiro – Asaas, idwall, Parfin e QI Tech. Uma é a agtech Agrotools, da área de agronegócios, e a outra a eureciclo, do segmento ambiental.

João Ventura, fundador e CEO da Sling Hub, avalia que as captações brasileiras de 2023 devem ficar próximas das de 2020, que foram de US$ 3,3 bilhões. Também uma startup, a plataforma monitora 32 mil empresas de 21 países da América Latina e mantém um banco de dados sobre todo o ecossistema do segmento.

Até 10 de dezembro, último levantamento feito pela empresa, as captações estavam em US$ 3,2 bilhões, 40% abaixo do montante de 2022 que, por sua vez, foi 50% menor em relação ao ano anterior.

Incertezas

Especialistas dizem que entre as justificativas para a derrocada nos investimentos em startups no Brasil nos dois últimos estão os juros altos no Brasil e em outros países, as incertezas para a economia mundial em razão da guerra entre Rússia e Ucrânia e, mais recentemente, o conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas.

“Dois mil e vinte e um foi um ano de ouro, estava muito pró- startup, fácil para captar, com muitas empresas virando ‘unicórnio'”, diz João Ventura, fundador e CEO da Sling Hub,plataforma que reúne dados do mercado de startups. “Vai demorar muito para voltarmos aos US$ 11 bilhões investidos naquele ano e, com certeza, não será antes de 2025.”

A Sling já detectou um apetite maior dos investidores após algumas grandes rodadas em 2023, como o acordo entre a fintech Meutudo com o BTG, de US$ 417 milhões, e a compra da Pismo pela Visa.

Ventura, porém, é menos otimista que o mercado e diz acreditar que, neste ano, apenas uma empresa chegará ao status de unicórnio. “Hoje, para virar unicórnio é mais difícil e tem de estar muito mais avançada do que há três anos, quando o cenário era mais fácil.”

Fernando Freitas, responsável pela área de inovação do Bradesco – que tem o inovabra ventures como fundo de investimentos em startups -, ressalta que, após os dois anos de “excitação total”, o que se viu foi uma queda importante dos investimentos em venture capital e uma seletividade grande dos investidores. “O foco, a partir do último biênio, passou a ser em empresas com geração de caixa e não mais em crescimento a qualquer custo.”

Excesso de capital

O setor de startups vinha num crescimento constante e sólido a partir de 2015 até o boom ocorrido em 2020 e 2021, visto como “exceções” pelo diretor do Google for Startups Latam, André Barrence. O excesso de capital disponível gerou distorções no ecossistema. Em sua opinião, os dois anos seguintes, marcados por fechamento de empresas e demissões, foram períodos de ajustes que devem seguir pelo menos até o primeiro semestre deste ano.

Ele diz acreditar que o ritmo de desenvolvimento mais saudável de antes da euforia de empreendedores e investidores vai ser retomado só a partir da segunda metade do ano. Para Barrence, este início de ano ainda será complicado e provavelmente algumas empresas não consigam novas rodadas de investimento e tenham de fechar, fazer movimentos forçados de consolidação ou venda.

O vice-presidente da ABStartups, Felipe Mattos, também acredita que em 2024 “o cenário de investimentos terá uma retomada, ainda que leve, recuperando a curva de crescimento dos anos pré-pandemia”. Até 2019, houve crescimento praticamente contínuo do setor.

O gerente de pesquisas da empresa de inovação Distrito, Eduardo Fuentes, confirma que o ecossistema de startups passou por escassez de investimentos nos últimos 12 a 18 meses, como parte de um ciclo de ajuste necessário após um período de excesso de liquidez que gerou algumas distorções no mercado. “Agora, com empresas conseguindo se ajustar, somado a uma redução da taxa de juros, o mercado começa a atrair novamente mais investidores.”

Otimismo

“Temos tudo para virar ‘unicórnio’ e acho que, se não formos nós, não vai ter nenhum no segmento de agtechs (as startups de tecnologia para o agronegócio) este ano”, diz Sérgio Rocha, fundador e CEO da Agrotools, considerada uma das maiores empresas no ecossistema de soluções digitais, tecnologia e inteligência para o agronegócio.

Apesar da confiança, ele afirma estar satisfeito com o apelido, recebido recentemente, de camelo, uma alusão ao animal de grande resistência que habita principalmente o deserto. “Vejo a Agrotools como uma empresa que consegue passar por momentos de adversidade e tirar o melhor desse período”, diz.

Com informações de Estadão Conteúdo
Imagem: Shutterstock

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