Nesse primeiro semestre do ano, que, como diz o ditado, começa depois do carnaval, o País terá temas importantíssimos para tratar, como, por exemplo, a questão das leis complementares que irão regulamentar a reforma tributária, aprovada no Congresso Nacional.
O intenso trabalho executado no final de 2023 para a sua aprovação no Congresso, cumprindo um rito com prazo apertado, mostrou a capacidade de realização das duas casas legislativas, Senado e Câmara, e criou, assim, a base, dando estrutura para a implantação do que será a reforma tributária na prática.
O Ministério da Fazenda já vinha se organizando por meio da Secretaria Extraordinária para Reforma Tributária e, de pronto, constituiu uma Comissão de Sistematização e 19 Grupos de Trabalho (GTs) visando à implantação dela. Os GTs são compostos por membros dos governos federal, estaduais e municipais e, pelo que temos de notícia, estão em elevado ritmo de trabalho.
O que vem pela frente terá efeitos na economia, nas empresas, nas pessoas e em todo o país, nesta e nas próximas décadas. Decorre daí a relevância da participação da sociedade empresarial e das representações institucionais em todas as fases da jornada de implantação da reforma tributária, desde as leis complementares, portarias, normas, ou seja, até nos detalhes.
A Secretaria Extraordinária para a Reforma Tributária deu abertura e organizou a forma pela qual receberá as sugestões técnicas para a elaboração das leis complementares que serão enviadas ao Congresso. Uma oportunidade ímpar para contribuições da sociedade.
É uma reforma voltada ao consumo e serviços, sendo grande a expectativa de se saber qual será o percentual do imposto IVA (Imposto sobre Valor Agregado). Na ponta, no momento da compra de um produto ou na tomada de um serviço, deverá ficar transparente para os usuários o valor do IVA.
Essa transparência merece toda a atenção!
Temos muitos comportamentos diferentes dentro de um único Brasil. Há um sem-número de empresas de todos os portes preocupadíssimas em identificar e recolher corretamente os impostos devidos para as mais diferentes instâncias governamentais. Porém, há um outro número significativo de empresas, e aqui vale para todos os portes e pessoas, preocupadíssimas também em encontrar meios para não pagar os impostos devidos. Vamos tirar da conversa um planejamento tributário devidamente legal para otimizar o pagamento dos impostos.
Quem percorre o país, indo nos mais distantes rincões, zonas urbanas ou suburbanas, exceto, provavelmente, grandes centros empresariais organizados e com forte compliance, sabe o que estamos comentando.
Bilhões são sonegados. Segundo estudo desenvolvido pelo IDV (Instituto para Desenvolvimento do Varejo) em parceria com a Mckinsey, somente no varejo, em 2024, a evasão pode alcançar entre R$ 242 e R$ 311 bilhões. De fato, há uma gigante ilegalidade tributária, com as mais diferentes justificativas, tais como o imposto ser muito elevado, ou o sistema tributário ser complexo. Mas nenhuma justificativa para deixar de pagar o devido imposto é aceitável; afinal, se muitos pagam, por que outros não?
Atualmente, a carga tributária de um produto, da matéria prima, passando pela produção e distribuição, até chegar ao varejo, ou seja, ao longo da sua cadeia, segundo o IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação) vai de 80% a 140%. Dependendo do setor, porém, não é percebida na ponta, no ato do consumo, pela população.
Por vezes, o imposto que está agregado ao produto ou serviço só é percebido pelo consumidor quando surgem as clássicas perguntas: com nota fiscal ou sem nota fiscal? Por quê? Tem desconto?
Com a visibilidade do imposto que será pago na ponta, algo corretíssimo e transparente, não só o vendedor ou prestador de serviço, mas também o consumidor verá o tamanho do percentual e o valor de imposto contido naquela operação. Poderá existir nesse momento grande risco de aumento da ilegalidade tributária ao se repetir a pergunta com “nota fiscal ou sem nota fiscal?”
Pelo comentado acima, e por todos outros meios criativos de sonegação, torna crucial a forma de como garantir a cobrança e a arrecadação do imposto IVA, um dos pontos mais importantes da reforma tributária. De nada adiantará uma construção precisa de leis complementares, portarias, normas e etc, se forem por demais burocráticas, de difícil execução e fiscalização na ponta.
Há um ditado muito usado no meio empresarial: “follow the money” (siga o dinheiro). Seria excelente ter está prática na implantação da reforma tributária. Temos exemplo recente dessa prática usada pelo Ministério da Fazenda ao implantar o programa Remessa Conforme para itens importados de pequeno valor; o pagamento do imposto se dá no ato da transação, ou seja, passou o cartão de crédito ou meio de pagamento aceitável, pagou o imposto, e este é recolhido diretamente aos cofres públicos.
Garantir o pagamento dos impostos no ato da transação financeira é uma sugestão importante a ser analisada, isto é, claro, além da emissão da nota fiscal nacional. Possivelmente, aparecerão muitas perguntas e surgirão incômodos, visando destruir esta modalidade de cobrança de impostos no ato da transação financeira, que poderia ser um sucesso.
O momento é transformador. A atuação do governo e o engajamento do sistema financeiro nacional, das empresas de maquininhas e de todos os meios de pagamentos na aplicação dessa forma de cobrar e recolher impostos seriam de grande contribuição para a redução da ilegalidade tributária, com inquestionável benefício ao desenvolvimento do Brasil.
Vale a reflexão: quanto mais empresas e pessoas pagarem corretamente seus impostos, maior será a cobrança sobre os órgãos governamentais pelo uso adequado e eficaz desses recursos. E, quiçá, mais pagadores fariam com que todos pagassem uma tarifa menor de IVA.
Jorge Gonçalves Filho é presidente do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV).
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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