Apenas por curiosidade e, claro, com alguma qualidade na captação de informação (graças aos anos de pesquisa nas costas), quando entro em lojas físicas de varejo – famosas e não tão famosas – de qualquer segmento e em qualquer lugar do Brasil, costumo investigar junto a equipe linha de frente (os frontliners) – vendedores e gerentes – qual a imagem que eles têm da marca que trabalham.
Faço isso consistentemente há uns 13 anos. Desde que estive pela primeira vez na NRF Retails Big Show, tive o insight de fazê-lo por aqui porque lá, nos Estados Unidos, os chamados frontliners são profissionais indispensáveis para criação de valor de marca e, portanto, achei que deveria colocar a questão no meu elenco de assessments para análise como consultor de marketing e comunicação.
Faço uma espécie de coletânea de insights baseados em evidências (fact-based insights tool), que traz conhecimento de curto prazo a partir da realidade dos fatos para ser compartilhado com os meus clientes no segmento.
Perceba que não estou dizendo que os colaboradores da linha de frente devam ser manipulados pelo negócio como instrumentos de marketing. Acho que o job description dos frontliners deveria cobrir não só os entregáveis tangíveis do cargo, mas também os intangíveis inerentes à ele como o entendimento e a disseminação dos valores daquela marca de varejo em que trabalham.
Entendo que a consequência imediata de uma gestão de marca eficaz no varejo é aquela que tem como resultado – não o único – uma equipe linha de frente que defenda onde trabalha e que reconheça o propósito, significado e o valor da marca.
A coleta de informação é surpreendente para o bem e para o mal
O imaginário dos frontliners sobre as marcas é rico. Respostas equivocadas, lacônicas, ausência de resposta e até, muitas vezes, respostas inventadas sobre a marca são compartilhadas como verdades sobre o negócio.
Na ausência de informação, emergem questões transacionais inexoráveis a qualquer negócio de varejo físico “meu gerente é muito chato”, “tenho desvio de função” etc. Sintomas que trazem de bandeja a informação de ineficácia na gestão de marca, seja ela por razões operacionais ou pela ausência de uma política específica para gestão de valores empresariais.
Por outro lado, presenciei testemunhos de marca que expressam ipsis literis os valores corporativos do negócio, reelaborados pela mente do colaborador e que agregam valor de impacto nas suas vidas, com toques de pessoalidade, tornando o testemunho ainda mais incrível.
Geralmente, as boas devolutivas vêm pelo caminho da admiração à marca (ainda que de forma genérica) e sobre o que ela é capaz de fazer ou gerar de impacto positivo para si e para comunidade. São respostas que estão além das questões laborais e das atividades mercantis propriamente ditas.
Portanto, o que fala mais alto ao colaborador frontliner de um varejo é encontrar propósito de marca, significado e estatura (ética e moral). Esses são imperativos que têm a capacidade de constituir uma relação de sucesso entre as partes. E, obviamente, diminuir turnover, um dos problemas mais prementes do varejo físico.
É meio que chover no molhado compartilhar o exemplo mais evidente deste comportamento, mas o varejo de moda masculina Reserva, do querido amigo Rony Meisler, gera admiração e respeito de forma absoluta aos frontliners e toda sua cadeia de valor através de seus programas de impacto social, especialmente o que todos devem conhecer: 1p = 5p – doação de 1 peça = 5 pratos de comida.
Carreira e futuro: as grandes preocupações da linha de frente
Uma das maiores preocupações que vejo na turma é a ausência de perspectiva futura de carreira. A maioria vê como uma posição fim de linha (e não começo de carreira), que tem sempre um final infeliz, coroado pela sua saída para uma nova loja.
O turnover é um dos mais graves problemas do varejo no Brasil e no mundo. Haja dinheiro para educar o frontliner sobre a marca e, em poucos meses, o colaborador demitir-se. Nos Estados Unidos, a situação é muito aguda. Um recente estudo da Mckinsey mostra que o turnover nas lojas americanas chega a mais de 70% ao ano, consequência da má gestão do varejo físico junto aos frontliners durante a covid-19.
Na era digital, em que a omnicanalidade e a fluidez na jornada das compras, o papel da linha de frente tem se modificado absurdamente. Na Europa, por exemplo, as grandes redes e as cadeias de lojas das marcas upscale (luxo) e de fast fashion mudaram as nomenclaturas de seus vendedores para brand experts.
A ideia é de que a experiência do usuário seja completa e tenha as bênçãos do frontline na passagem de expertise e conhecimento sobre tudo, do propósito da marca a composição fabril do produto para seus usuários. Marcas como Louis Vuitton, por exemplo, oferecem nas lojas asiáticas, atualmente o mercado mais efervescente de varejo físico no mundo, o conceito de Brand Hybrid Experience.
A Brand Hybrid Experience consiste num padrão de experiência de loja que traz informação de valores de marca relevantes para o usuário (total user brand experience) na tentativa de agregar valor, envolver o usuário na experiência e retê-lo para uma recompra.
Essa experiência com os frontliners atuando como embaixadores de marca tem o objetivo claro de aumentar a margem num mundo onde tudo é commodity e copiável. E o que sobra de diferente numa venda é o envolvimento com a marca.
O conceito é considerado híbrido porque não oferece apenas a área de vendas de produtos, mas uma composição de destinos dentro da loja: além da loja propriamente dita, um café, um restaurante e um espaço para exposição que traduzem os valores de marca, transformados em instalações artísticas que falam por si.
Recentemente, no início de março, a loja da Louis Vuitton de Bangkok abriu uma hybrid flagship store em que os frontliners têm papel crucial, pois acompanham o usuário pela jornada interna da loja e criam pontes entre a experiência, seja gastronômica ou de marca, os valores de marca e o negócio a ser construído.
A sensação do usuário é de que a experiência vivida numa loja dessas é personalizada e única. Uma ideia muito alinhada com a atual jornada de usuário na era digital, em que a personalização toma conta da experiência. É o marketing de varejo físico alinhado com o que há de mais moderno.
É claro que comparar marcas de luxo da Ásia com a realidade brasileira de varejo é uma covardia gigante. No entanto, não podemos nos cegar por causa das dificuldades locais e não enxergar o que de mais moderno está acontecendo no atual maior mercado de varejo do mundo, que é o asiático.
A velocidade do IA em favor da saúde das empresas e dos frontliners
Mas, vamos lá. O investimento em tecnologia para otimização de tempo dos frontliners com tarefas recorrentes, repetitivas e até mundanas, e a falta de treinamento da equipe podem estar com seus dias contados com a perspectiva cada vez mais crescente de uso da IA nas lojas físicas.
No varejo digital, o uso de IA já é uma realidade. E há alguns anos com as machine learnings. Basta somente essa realidade fazer uma migração para as lojas físicas, o que já é possível no curto prazo e a vida começa a melhorar.
De acordo com Eduardo Terra, presidente da SBVC (Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo), é necessário que se abrace 4 competências para começar a usar a IA já no chão de loja: imaginação, pois já existem muitos recursos disponíveis; comunicação (expressão) para verbalizar os desejos dos varejistas de forma clara e concisa no uso correto da tecnologia; fazer as perguntas certas, pois a IA só as responde, não as faz; e, por fim, repertório, que ele chama de conhecimento, já que a velocidade obriga cada um de nós a ter vasto conhecimento para ter cada vez mais respostas eficazes.
De acordo com pesquisa da Mckinsey, nos Estados Unidos, 41% dos colaboradores frontliners se sentem atolados com tarefas que eles mesmos julgam ser insignificante e pouco edificantes para suas carreiras. Por isso, praticamente 1 a cada 2 relatam querer mais tecnologia, automação e inovação no trabalho.
No Brasil, o topo da pirâmide do varejo em tamanho e receita das marcas ainda está engatinhando para melhoria de eficiência operacional e customer experience pela IA, assim como na gestão de gerenciamento de categorias, mas fica claríssimo que com a exponencialidade e a popularização da IA em alta velocidade, vemos o futuro próximo muito promissor.
A escalada de progresso do varejo no Brasil em processos operacionais com a IA na inteligência intraloja, deverá liberar, no médio prazo, o frontliner das tarefas mais exaustivas como reabastecimento, check out e manutenção da loja. E poderá, num futuro próximo, trazê-lo para uma tarefa mais nobre, que é a de ser um embaixador da marca (no mínimo, um expert-consultor de categoria para a marca), otimizando a brand experience.
A atenção do gestor da jornada de consumo e do consumidor no marketing deve atentar para essa realidade de inovação que está bem próxima e é importantíssima para quem quer agregar valor à sua marca e no bottom line, cobrar mais ou melhor pelos seus produtos e serviços.
O varejista que preferir dispensar a equipe de frontliners em detrimento de aumento de curto prazo de rentabilidade e margem vai se arrepender no médio prazo e, pior, romper sua escalada de sustentabilidade do negócio.
A evolução da tecnologia e do IA neste setor é tão intensa que o momento do varejo na gestão da equipe de frente de suas lojas é de alívio e alegria.
E você, acha que são boas falas para um futuro de curto prazo?
Ulisses Zamboni é chairman e sócio-fundador da Agência Santa Clara.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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