John foi um entre os milhares de suecos pobres e sem perspectiva que emigraram para os Estados Unidos entre 1850 e 1890. Desembarcou no novo mundo aos 16 anos com US$ 5, sem saber falar inglês e com a disposição de mudar o próprio destino. Cruzou o imenso país, trabalhando em minas, na exploração de madeira e no garimpo durante a famosa corrida do ouro de Klondike, no Canadá. Juntou US$ 13 mil e aceitou a sociedade com Carl Wallin, um sapateiro de Seattle, que havia conhecido no Alasca. Em 1901, John inaugurava a primeira loja da família sueca nos Estados Unidos: a Wallin&Nordstrom. O sapateiro vendeu a sua parte aos filhos de John quando se aposentou, em 1929.
Hoje, sob o comando da 4ª geração da família, a Nordstrom é mais do que uma gigante do varejo, é uma referência em inovação e experiência de compra, que reúne a venda de produtos com descontos e artigos de luxo a uma rede de prestação de serviços de bem-estar, beleza e foodservice integrada e alinhada com as estratégias de negócio. O sucesso perpetuado pela marca por 122 anos deixa uma lição importante para o setor: a de que o sonho do fundador pode crescer e se transformar.
Um exemplo da potência da Nordstrom é a megaloja de sete andares, exclusiva para o público feminino, aberta em Nova York, ao lado do Central Park, em 2019. A companhia investiu em parcerias com marcas de alto valor e destinou dois andares para o funcionamento de restaurantes – segmento em que a marca atua com mais de 400 operações, incluindo bares e cafés. Com essa iniciativa, uma cliente pode pedir uma bebida do provador da loja. Também abriu espaço para serviços de costura sob medida e de maquiagem, que batizou de Beauty Services.
Nenhum segmento concorre com o outro. A concentração deles em um mesmo ambiente, sob o mesmo conceito de store design, transmite a ideia de que no número 235 da West 57th Street a mulher de gosto refinado e contemporâneo encontra tudo de que precisa.
Do outro lado da rua, a loja conceitual de moda masculina, aberta em 2018, integra um bar. Além de fazer compras, também permite ao cliente relaxar e conversar descontraidamente em um ambiente que combina casualidade com muita classe.
Do seu portifólio amplo e diversificado, consta ainda uma rede de spa e uma linha de produtos de bem-estar, usada pelos profissionais das clínicas, disponível para compra no varejo. Recentemente, expandiu para o retail media e compartilha em seu site alguns de seus dados de audiência para atrair anunciantes para os seus espaços de vendas de anúncio.
Tendência global
O case da Nordstrom, apesar de emblemático, não é único. Trata-se de uma tendência global a integração do serviço ao varejo. Pelo menos duas oportunidades tornam esse negócio atraente – além do fato de ser imprescindível à sobrevivência dos varejistas -, como mostra Eduardo Yamashita, diretor de Operações (COO) da Gouvêa Ecosystem.
A primeira delas é a percepção do potencial competitivo do setor, que já está estruturado com uma base sólida de clientes e rede de distribuição e logística. Com essas informações associadas ao conhecimento do varejista sobre os hábitos de consumo e necessidades do consumidor, a marca pode escolher o que fazer diante da ampla oferta da categoria de serviços – dos financeiros à comunicação – e integrar aquele que mais se ajusta à realidade do seu público.
O COO da Gouvêa explica que o negócio principal do varejo sempre foi comprar e vender bem, conhecer o cliente e ter acesso a ele (antigamente por meio das lojas e hoje também pelos canais digitais). Mas pontua que a visão atual dos varejistas é de que é preciso explorar esses ativos construídos para ganhar espaço além do seu mercado tradicional.
Logo, desponta a segunda oportunidade, a de aumentar os ganhos. “As margens do varejo tendem a ser muito comprimidas, e a situação tende a ser exatamente a contrária no segmento de serviços”, destaca Yamashita. “Essa composição faz com que os varejistas apostem nesse segmento de serviços como uma forma de diversificação de negócios e de aumentar a sua margem e o seu percentual”, avalia.
Os maiores varejistas globais, como Amazon, Target, Sonae, Walmart, Mercado Livre, Magalu, entre outros, se prepararam para essa transformação ao longo de pelo menos uma década, sem dúvidas, motivados pelas tendências apontadas em estudos sobre consumo em economias mais amadurecidas, como a dos Estados Unidos e da Europa. Foi observada uma relação direta entre a maior representatividade dos gastos com serviços no orçamento familiar e maturidade econômica do país.
Segundo Yamashita, o Brasil começa a caminhar nessa direção, principalmente no cenário pós-pandemia. Portanto, a correlação de gastos das famílias brasileiras com os serviços começa a ter uma relevância maior e estes passam a ser cada vez mais sofisticados.
Não é apenas maquiagem
A sigla MAC se tornou o nome forte da Make-Up Art Cosmetics, oficialmente inaugurada em um quiosque aberto dentro de uma loja de departamento em Toronto, no Canadá, em 1984. Antes, porém, os criadores da marca, Frank Toskan, artista, maquiador e fotógrafo, e Frank Angelo, dono de um salão de beleza, produziram os primeiros cosméticos em sua própria cozinha e venderam os produtos caseiros para colegas, maquiadores profissionais, modelos e fotógrafos.
A ideia inicial da linha surgiu da dificuldade de Toskan e Angelo encontrarem uma maquiagem que fotografasse bem. Decidiram, então, criar a própria linha. Aqui, o serviço integrou o varejo, mas a essência da empresa é oferecer consultoria especializada em cada oportunidade de compra.
Por essa razão, a loja contrata somente maquiadores profissionais, treinados pela operadora, para o atendimento ao cliente. Os serviços de maquiagem para eventos, como festas e casamentos, ou as consultorias individuais para automaquiagem permitem resgatar 100% do valor em produtos.
“Serviços são o ponto fundamental da MAC desde a sua fundação, há 40 anos”, informa o departamento de Marketing da MAC do Shopping Pátio Higienópolis, em São Paulo. “A forma de atendimento ao público é personalizada e leva em conta oferecer a melhor experiência que se pode ter em uma loja de maquiagem.”
Hub de negócios
A primeira NBA Store Arena foi inaugurada no Morumbi Town, na zona sul de São Paulo, em 2021, em uma área de 1.500 m². A ousadia brasileira colocou o espaço entre os maiores da marca na América Latina e no mundo.
O empreendimento se tornou um hub de negócios. A quadra oficial da liga norte-americana comporta vestiários e pode ser alugada para pessoas ou grupos para jogos, eventos e festas de aniversário. Para quem gosta do jogo ou quer aprender a jogar, a arena conta a escola NBA Basketball NBA.
Na quadra, também são gravadas as campanhas da própria marca e de parceiros. O café, além de convidativo, contribui substancialmente com o faturamento.
Sem precisar números, Roger Ahlgrimm, diretor de Lojas e Licenciamento na NBA do Brasil, afirma que o espaço, cujo modelo também foi levado para o shopping Uptow Barra, no Rio de Janeiro, gera faturamento médio duas a três vezes maior do que o das demais lojas. E esses números não eram esperados.
Isso acontece, primeiro, pela conexão que o espaço proporciona. Ahlgrimm conta que tudo é projetado para encantar os visitantes, inclusive os casuais e os que não entendem nada do esporte, mas gostariam de saber mais. Layout, lifestyle, música, jogos, brincadeiras, todo o design da loja é pensado na experiência do cliente: não para fazer uma venda e, sim, para conquistar um fã. “A gente acredita que o varejo voltado à experiência é o conceito que vai estar presente na maioria, senão, em todas as lojas no futuro”, prevê Ahlgrimm.
Para o diretor, “o varejo transacional tende a ser cada vez mais substituído pelo varejo que oferece uma experiência diferente para os consumidores”. E prossegue, afirmando que não basta a conveniência da compra online. Par ele, o diferencial está no atendimento, no layout, na experiência, nas brincadeiras que os espaços físicos podem proporcionar.
É com o uso dessas ferramentas que a NBA Store Arena assegura mais tempo de permanência dos seus clientes. Há opções de entretenimento para grupos, festas e eventos do tipo meet and greet – encontros exclusivos entre ídolos e fãs. Até o mural, produzido pelo artista Eduardo Kobra para a loja da capital paulista, se tornou um ponto turístico e instagramável dentro da loja.
Tanto a arena São Paulo quanto a do Rio possuem espaços para reuniões de negócios. Executivos e clientes interessados na marca são recebidos nas lojas conceito que, por si só, evidenciam a imponência da NBA do Brasil. De acordo com o executivo, os encontros geram novas parceiras e novos produtos que podem atender às demandas dos fãs.
Ser ou não ser
A resposta prática às possíveis reflexões do setor – ser ou não ser varejo – pode ser resolvida com a troca do “ou” pelo “e”. O caminho é o da convergência e da integração.
Um dos grandes players de clínicas de saúde no mercado norte-americano é o Walmart. Com uma das melhores infraestruturas do mundo em logística, segundo Eduardo Yamashita, COO da Gouvêa Ecosystem, a companhia passou a vender o serviço para concorrentes. E o Walmart não pretende fechar os hipermercados. O varejo é seu ativo inestimável e propulsor de outros negócios.
Nessa mesma linha, o El Corte inglês se tornou um dos grandes operadores de pacotes de turismo, tendo sua origem na Espanha como loja de departamento. O Casino, varejista alimentar, é referência na França pela qualidade dos restaurantes que gerencia.
No Brasil, a Raia Drogasil compreendeu o seu potencial e ingressou nos serviços de mídia. Hoje, dispõe de um setor interno de retail media e, além de medicamentos, produtos de higiene e beleza, alimentos não perecíveis e maquiagem, ainda comercializa espaços publicitários.
O Magazine Luiza vem ampliando os seus investimentos em seu próprio marketplace e passou a oferecer serviço de apoio e suporte a pequenos varejistas, por meio de suas lojas físicas espalhadas pelo País, para ensiná-los a usar a plataforma e a vender mais ao mesmo tempo em que amplia a base de vendedores ativos e de transações.
O grupo finalizou o ano de 2023 com o lançamento do Magalu Clouds, um serviço de nuvem com custos mais acessíveis para auxiliar empresas brasileiras em sua jornada de digitalização.
Inteligência baseada em dados
Todo planejamento estratégico baseado no cliente só pode ser realizado com sucesso por meio de dados qualificados. Nenhum dos players mencionados nesta reportagem atingiu os seus resultados sem fazer investimento em captura e tratamento de dados, interpretação qualificada da informação, ações estratégicas, avaliação dos resultados e aprimoramento das métricas e das ações continuamente.
A Track.co, empresa focada na gestão do cliente, atua na captura dos sentimentos dos consumidores para analisar o nível de eficiência da entrega de valor pela marca. Tomás Duarte, CEO e cofundador da companhia, ressalta a importância da tecnologia. “Assim que o cliente conclui a experiência na loja, nós entramos em contato por WhatsApp, e por isso é importante ter o cadastro da base, para saber se tudo deu certo e se ele recomenda a empresa. Com isso, podemos gerar indicadores de performance para mostrar se essas experiências estão gerando clientes promotores ou detratores da marca”, diz.
Da mesma forma que o varejo moderno superou o escambo da Idade Média – baseado em troca de produtos de interesse comum –, o varejo digital inaugura uma nova era, com desafios, certamente, mas com uma avenida de oportunidades a partir dos serviços.
-
O foodeservice é uma grande oportunidade de conexão com o consumidor
O foodservice propicia para o ecossistema de varejo a recorrência da visita, do contato e do relacionamento com determinada marca. A afirmação é da CEO da Gouvêa Foodservice, Cristina Souza. De acordo com a especialista, as marcas de luxo entenderam o setor como uma grande oportunidade de conexão com os clientes e integraram o serviço às suas lojas, como o café da Tiffany, o restaurante Armani e o bar da Porsche.
Mas a integração pode virar uma catástrofe se não for bem operada e Cristina ressalta a importância do processo de construção da integração do food ao varejo. “Estratégia, desenho do mix, sistema de atendimento, ambiente, tudo isso conta”, orienta. “Em muitos casos, é melhor compartilhar
o espaço com um especialista, e combinar o jogo com ele, do que fazer sozinho e impactar negativamente os consumidores”.
Entre os desafios, a CEO da Gouvêa Foodservice aponta novamente para a arquitetura do negócio como passo fundamental para garantir que as etapas invisíveis aos olhos do consumidor ocorram com tranquilidade e sem comprometer a segurança e a qualidade geral dos alimentos. “A cesta dos itens do que chamamos de ‘básico perfeito’ é cada vez mais profunda, segundo o grau de exigências e expectativas dos consumidores, e para tornar o negócio rentável. Controle de compras, gestão de matéria-prima, digitalização, gestão de pessoas, tudo isso exige monitoramento e profundidade”, alerta.
A marca brasileira Track&Field migrou da indústria para o varejo focado em roupas esportivas e, a partir daí, se desenvolveu como ecossistema de bem-estar. Uma das frentes de negócio da marca é o TFC Food & Market, cafeteria e empório de produtos saudáveis encontrados junto às lojas físicas e em alguns pontos exclusivos de venda.
O espaço, agora, conta com uma equipe de concierge e estúdios para a realização de aulas, segundo Fred Wagner, sócio-fundador e vice-presidente de Estratégia e Novos Negócios da Track&Field e CEO da TFSports. “A previsão é que até o final do ano tenhamos 30% da rede reformada no novo conceito, com nove das unidades com o TFC Food & Market, que funciona também como um laboratório para entrar no mercado de alimentação e suplementação”, conta o executivo.
Os números da companhia reforçam as estratégias de integração e a mudança das lojas para o conceito “experience store”, que incluem cafés. Wagner diz que essas unidades registraram crescimento em vendas de 34,3%, no caso das lojas próprias, e de 33,8%, no caso das franquias, no terceiro trimestre de 2023.
“Na rede como um todo, houve aumento de 20,4% no sell out, que é o volume total vendido ao consumidor final, chegando a R$ 294 milhões”, afirma o executivo. O crescimento same store sales, que monitora o desempenho por unidade, foi de 15,2%.
Para atingir esses resultados, a Track & Field investe em business intelligence em todas as interações com o cliente, como consumo de athleisure (roupas esportivas usadas no dia a dia), práticas esportivas, procura por alimentação ou artigos esportivos. “Quanto melhor o conhecemos, mais conseguimos atender às suas necessidades”, finaliza Wagner.
Imagens: Shutterstock/Divulgação