Um ano atrás, quando estive na NAC’s Show em Atlanta, maior evento de postos de combustíveis e lojas de conveniência do mundo, durante uma palestra só para convidados, Salim Ismail, Fundador e Diretor da Singularity University, apresentou “o impacto das inovações disruptivas nos modelos de negócio atuais”.
O exemplo que deixou toda audiência de cabelo em pé foi o relato de sua experiência em cruzar de sul a norte dos EUA com seu carro elétrico, sem parar para abastecer, decretando o fim dos postos de combustíveis. A verdade é que, apesar do susto que a platéia brasileira sentiu, a realidade de carros elétricos ainda está um pouco distante de nós brasileiros. A verdadeira situação – no Brasil e no mundo -, é que o posto de combustível como conhecíamos, já acabou. Ou melhor, se transformou.
Aquele posto onde parávamos para abastecer, invariavelmente um lugar sujo, com poucas opções de bombas de abastecimento, muitas das vezes com iluminação inadequada, que torcíamos para ficar o menor tempo possível, pois não era seguro, acabou.
Da mesma forma, os donos de operações que ainda estão focados em vender somente combustível, com pouquíssima diferenciação, restrito a um único modelo de negócio, com margens cada vez menores, estão fadados ao fracasso.
Um posto de combustível onde o frentista mal olha para o cliente, que verifica o nível de água e óleo com má vontade ou reclama para “jogar uma água nos vidros”, está ultrapassado.
O que decretou o fim dos postos de combustíveis tradicional não foi a tecnologia ou um aplicativo, não foi o carro elétrico e nem uma inovação extraordinária. O fator fundamental para a mudança de proposta de valor do posto de combustível foi o consumidor.
O consumidor moderno está, acima de tudo, em busca de conveniência e de uma experiência de compra memorável, resultado da combinação da tecnologia, da ampliação da oferta, da variedade de serviços e soluções e de um bom e diferenciado atendimento.
A oferta integrada que a Ipiranga tem desenvolvido nos últimos anos mostra o caminho estratégico dado pela empresa brasileira. Com uma ampla capilaridade com cerca de 7.200 postos, qualquer coisa que o cliente precisar: “Pergunta lá, no Posto Ipiranga.” A empresa se posiciona como solução para qualquer problema. O hábito de visitar uma loja de conveniência é reforçado pela ampliação de sua oferta.
As lojas de conveniência, historicamente, dependiam basicamente de duas categorias: bebidas e tabaco. Hoje, a loja AMPM, com aproximadamente 2.100 lojas, ampliou sua oferta e é uma das maiores redes de padarias no Brasil, presente em um número próximo a 500 unidades.
Segundo o Sindicom, em 2016, o segmento de conveniência em postos de serviços teve faturamento de R$ 7,2 bilhões, com crescimento de 6,2%, com mais de 7.600 lojas.
Essa realidade mostra que o posto de combustível está mais próximo do varejo e do food service, em especial o de comida fresca e saudável. Porém, há espaço para o crescimento pois dos 41.000 postos de combustíveis do Brasil, apenas 20% tem uma loja de conveniência.
O atendimento mais humano e menos automatizado e mecânico como base fundamental de diferenciação é a estratégia da Shell por trás da sua campanha de “Humanologia”. Perfeito para uma época onde o consumidor espera mais do que as perguntas básicas: “álcool ou gasolina”, “crédito ou débito”, “verifica óleo e água?”, e esperam por um atendimento mais próximo. Ao mesmo tempo, esse movimento exerce uma grande pressão sobre os custos de mão de obra e complexidade para ter equipes de pessoas qualificadas e treinadas. Nada diferente que todo varejo conhece bem.
Nos EUA, mercado varejista mais maduro do mundo, as lojas de conveniência estão presentes em 80% dos postos. Em uma realidade distinta da brasileira, não existem frentistas e o auto serviço é estimulado tanto na pista como nas lojas, ampliando a oferta de serviços do postos, assim como o desenvolvimento de soluções em suas lojas de conveniências. Na América os postos são, na sua maioria, amplos, bem iluminados, com variedade de bombas de combustíveis e uma ampla oferta de serviços.
Nesta realidade, as lojas de conveniências americanas estão enfrentando novos desafios para se manterem atraentes a partir do momento que ampliaram sua oferta de food service. Não é raro encontrar redes de fast foods integradas em suas lojas. Quando analisamos o mercado americano de conveniência, nos inspiramos na gestão de suas operações, cada vez mais automatizadas, facilitando a padronização, reposição e controles. O relacionamento com seus clientes está cada vez mais fortalecido através dos programas de fidelidade que retribuem a preferência com descontos em combustíveis, produtos nas lojas ou serviços.
O fortalecimento da conveniência e atendimento como direcionador estratégico das empresas de combustíveis, reforça a aproximação com o varejo e amplia sua concorrência. Carrefour Express, Pão de Açúcar Minuto, Dia%, Lojas Americanas e as farmácias, merecem um capítulo à parte sobre análise do fortalecimento da multi-conveniência. No entanto, esses diferentes players concorrem pelo mesmo consumidor.
A partir do momento que empresas utilizam sua expertise em novos mercados, evidenciam que as barreiras entre indústrias de diferentes segmentos estão caindo. Essa convergência de indústrias está criando oportunidades completamente novas, criando ofertas não baseada em um produto ou em um serviço e sim, a partir de uma experiência multi-setor. Recentemente um novo entrante no segmento de multi-conveniência foi o Habibs’, que abriu seu primeiro posto de combustível em São Paulo. A iniciativa foi batizada como um “complexo de conveniência”, que une um posto de gasolina, loja de conveniência Habib’s e um restaurante Ragazzo.
Em suma, estamos vivenciando um momento de mudança extrema nas relações de consumo com convergência de indústrias, ampliação da concorrência, soluções diversificadas, novos entrantes quebrando barreiras, atendimento mais próximo, tecnologia suportando grandes ideias e um consumidor empurrando diferentes setores para longe da sua habitual zona de conforto.
Torna-se imperativo um novo modelo mental de pensar o negócio para estimular o desenvolvimento de novos formatos e testar novas ideias e conceitos, buscando a constante inovação e novas propostas de valor.
Por fim, não custa nada lembrar que o carro elétrico vem por aí…