Debater o futuro do trabalho no foodservice é sempre um tema prazeroso e desafiador. Prazeroso porque conseguimos ver o quanto toda a cadeia de alimentação evoluiu e pudemos oferecer mais qualidade de vida aos profissionais do segmento, tornando-o mais atrativo. Desafiador porque exercitamos a futurologia ao refletir sobre alguns movimentos.
A indústria de alimentos representa 10,8% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Se somarmos o setor de agropecuária, que representa outros 7,1%, e o setor de bares e restaurantes, que corresponde a 2,9%, estamos falando de um total de 20,8% do PIB nacional. Essa é uma fatia extremamente importante na geração de emprego.
Partindo do agronegócio, com um olhar voltado para a cauda longa da cadeia, eu gosto de chamá-lo de agro digital business, já que hoje fazendas de incontáveis hectares são gerenciadas por poucos funcionários, utilizando recursos tecnológicos de alta sofisticação. Claro que ainda existe a agricultura familiar, que é a maioria no Brasil; porém, a evolução do segmento é marcante.
Passamos pela indústria de alimentos, que apresenta três realidades: a indústria de primeira linha, chamada 4.0, altamente digitalizada em seus processos operacionais; a indústria média, que convive com práticas híbridas; e a pequena indústria, que não deve ser menosprezada, pois seu desenvolvimento permitirá a presença de novos players no mercado, cuja característica principal é a evolução de processos ainda artesanais.
Distribuidores e operadores logísticos estão fazendo um forte investimento em tecnologia pró-gestão, mas, principalmente, em inteligência de armazenamento, manuseio de estoque e frota, o que torna a vida dos funcionários melhor.
A operação de restaurantes, bares e demais negócios de alimentação tem o contexto mais díspare entre todos os elos, pois a penetração de tecnologias depende da equalização de investimentos, da capacidade da mão de obra em absorver a inovação e da adaptação dos clientes. Tudo isso, combinado a jornadas operacionais não lineares, já que os negócios vivenciam picos em determinados dias e horários e baixa em outros.
Assim, após essa contextualização, é importante lembrar que, neste momento no Brasil, a taxa de desemprego no País foi de 6,6% no trimestre de junho a agosto de 2024, uma das mais baixas da história. Esse indicador sinaliza ainda mais pressão em relação à captação de mão de obra do setor.
Jovens que, no passado, eram mão de obra fácil de recrutar por ser um setor de entrada, hoje, marcados pelas características da geração Z, buscam mobilidade, trabalho remoto e nem sempre salários elevados ou ascensão profissional. Eles querem o suficiente para ter uma boa vida e trabalhar de onde e da forma que desejam, sem abrir mão de sua saúde e lazer. Então, ser atendente e gastar 2 horas no trânsito ou atuar em um call center remotamente faz a diferença na decisão desse futuro profissional.
Muitas empresas têm repensado seu modelo de home office, porém, o contexto híbrido, com pelo menos um dia por semana em casa, ainda é determinante na decisão de escolha de um emprego ou outro. No caso do segmento de alimentação é impraticável, excetuando áreas administrativas.
Indústrias abrem programas robustos de captação de mão de obra de imigrantes ou refugiados para suprir a necessidade de profissionais em etapas em que não é possível a robotização ou automação, pois a captação de profissionais brasileiros para essas posições é extremamente difícil.
Os números baixos de desemprego têm a ver com a inclusão do MEI (Microempreendedor Individual) no cálculo de pessoas empregadas. Porém, essa configuração pressupõe um autogerenciamento da carreira, além da busca pelo emprego. Ela inclui o desenvolvimento de uma nova mentalidade para o profissional, que deverá cuidar das suas contribuições na previdência, plano de saúde, alimentação, capacitação e demais benefícios. Isso é algo que, por muito tempo, não foi propagado na cultura do País, geralmente protecionista e controladora.
O governo tem estimulado a configuração de MEI (Microempreendedor Individual) para reconfigurar o modelo de captação recursos para previdência, mas, ao mesmo tempo, precisa seguir na evolução da legislação trabalhista.
Ela evoluiu em aspectos como a contratação em jornada intermitente e a contratação por hora; porém, ainda existe a necessidade de apoiar os empresários do setor nesse processo de flexibilização.
Na última semana mediei no iFood Move um painel que abordou exatamente o tema deste artigo, com a presença do Márcio França, ministro do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte; do Alex Apter, empresário e conselheiro da Worc; e do Lucas Pittioni, vice-presidente Jurídico, de Políticas Públicas e M&A do iFood. E o sentimento é de que ainda há muito por avançar.
Tecnologia, atuação política e compromisso empresarial são os componentes racionais para nos ajudar a evoluir, porém, bom senso, respeito ao ser humano, diversidade, equidade e inclusão são o que nos tornarão, de fato, uma nação que estimula e vive de trabalho digno.
A discussão não acaba aqui. Conto com suas reflexões.
Cristina Souza é CEO da Gouvêa Foodservice.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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