No fechamento de 2018, o saldo de abertura de lojas ficou positivo em 4,8 mil novos estabelecimentos comerciais. Mas, ao contrário das expectativas no início do ano, no primeiro trimestre de 2019, 39 lojas fecharam as portas no país, segundo levantamento da Confederação Nacional do Comércio (CNC).
O número parece quase nada diante das 220 mil que encerraram atividades entre 2014 e 2017. Porém, dentro desse total ínfimo, inclui-se um ponto de venda que funcionava há pelo menos 30 anos no Centro da capital paulista: a unidade da Lojas Marisa na rua Direita, localizada quase na esquina com a Praça da Sé.
Espremida entre outros estabelecimentos igualmente antigos e populares na região – o Mc Donald’s e o Nelson das Bolsas -, há cerca de dois meses a unidade passou a promover uma espécie de liquidação fora de época.
Com banners do tipo “queima total com 50% de desconto” e “50% do valor da etiqueta”, a ação foi rápida e eficiente: em menos de uma semana, sobraram poucas araras espalhadas pela loja, que, para tristeza das consumidoras frequentes, acabou baixando as portas. Hoje, o imóvel aluga espaços para pequenos boxes.
Na outra unidade, localizada no outro extremo da Rua Direita – esquina com a Rua São Bento e Praça do Patriarca -, ainda mais antiga do que a que fechou -os resultados do Dia das Mães e o do Dia dos Namorados é que determinariam a continuidade ou não da operação, de acordo com alguns funcionários.
A popular varejista de vestuário e calçados é apenas um exemplo de redes que, talvez por uma não-recuperação da crise de 2015/2016, mesclada a problemas de gestão e agora, a um provável novo ciclo de recessão que dá sinais de se aproximar, precisam se readaptar ao mercado e rever a operação para continuar na briga – como a integração de lojas com o site, estratégia adotada pela rede em 2018, quando terminou o ano com 10 unidades no formato.
A rede fechou 17 lojas com resultado financeiro fraco em 2018 e fez várias mudanças no último trimestre, como o corte de 10% do pessoal do escritório central e desova de estoques. Para 2019, a previsão é fechar mais 18 lojas, encerrando o ano com 353 unidades no país.
De modo geral, esse tipo de movimento é esperado no varejo, segundo Fábio Bentes, chefe da divisão econômica da CNC. “Como ele depende do consumo das famílias para crescer, se torna uma peça importante na engrenagem da economia”, afirmou. “Mas, com o elevado desemprego, o que se percebe é que as vendas estão com tendência clara de queda.”
Por conta do PIB pífio, que começou o ano com projeção de 4,1% e agora já caiu e deve ficar inferior a 1,5%, teremos “um repeteco de 2017 e 2018, quando o varejo ensaiava sinais de recuperação e a economia cresceu 1,1%”, disse Bentes, lembrando que as expectativas de alta nas vendas e de abertura de 22 mil lojas em 2019 serão revistas.
“Sem a menor dúvida, no primeiro trimestre não houve crescimento”, afirmou. “O processo de boas expectativas no pós-eleições foi tão curto que nem deu para o varejista pensar em investir. Agora, a intenção de investimento em lojas próprias, ampliação e modernização vem caindo mês a mês (de 49% em fevereiro para 47% em abril).”
No caso específico da Marisa, segundo Bentes, há uma outra questão: o crescimento do e-commerce. Por mais que as vendas online ainda representem cerca de 10% do total do varejo, as lojas físicas perdem espaço. “O consumidor tem a vantagem de obter comparativos de preço mais fáceis, porque hoje está todo mundo conectado instintivamente.”
Mesmo oferecendo maior conveniência para a clientela, o e-commerce não é um grande gerador de empregos e tem as margens menores, lembra o economista. “E quando há um processo que combina características estruturais com conjunturais, esse indicador negativo (para as empresas) acaba sendo exacerbado. Ainda mais quando há perda de fôlego no crescimento da economia – fator que está ‘amarrado’ ao mercado de trabalho”, completou.
Varejistas como a Marisa precisam reencontrar formas de equilibrar o seu negócio e fazer com que volte a ficar positivo. Se com o varejo aquecido fazia sentido ter grandes operações e abrir lojas, quem não se recuperou bem da crise teve que mudar a visão de forma radical. Com este momento de crise e as transformações do varejo, é preciso reduzir despesas e adaptar as lojas para atender o e-commerce.
Presente há quase 40 anos em todas as regiões do Brasil, e com uma história que começou em 1948, a Marisa, que fez o seu nome vendendo moda feminina e lingerie, foi a primeira grande varejista do ramo a inovar, abrindo uma loja virtual em 1999.
Também foi uma das primeiras, em 2010, a utilizar o conceito de realidade aumentada com a ferramenta Sua Medida, onde a cliente pode medir o corpo, inserir dados e receber sugestões de modelos.
Depois de um período de forte crescimento e expansão, a Marisa, que é listada na Bovespa, foi a única entre as grandes varejistas (Riachuelo, Pernambucanas, Renner, Arezzo e Hering) que perdeu participação entre 2013 e 2015 e não reagiu, ficando com prejuízo líquido de R$ 65 milhões no terceiro trimestre de 2018.
Problemas internos do tipo dança das cadeiras de executivos, além do reposicionamento de marca, antes mais acessível às classes D e E, para tentar atrair clientes de maior poder aquisitivo, além da indefinição de marca jovem ou mais madura, fizeram com que a Marisa “perdesse a identidade”, segundo especialistas de mercado.
“O varejo sofreu muito de 2015 a 2017, e isso ainda tem reflexos muito grandes até hoje – principalmente o têxtil”, disse Jean-Paul Rebetez, sócio-diretor da GS& Consult. “Porém, quem se reorganizou pensando na ‘omnicanalidade’, como a Renner e a própria Riachuelo – com sua novíssima loja 4.0 no Morumbi Shopping – se saiu bem.”
Mesmo lembrando que um cenário econômico adverso atrapalha muito qualquer operação, quem não repensou suas estratégias a tempo ou não fez a lição de casa sofreu mais, disse o especialista.
“No caso da Marisa, onde houve muita troca de executivos e a perda de pessoas importantes no time, foi necessário adotar mudanças de rumo. E mesmo que a empresa passe por um momento de renovação interna, o consumidor demora a entender”, lembrou Rebetez.
Agora, com uma provisão de R$ 700 milhões relativas “a estoques obsoletos e o fechamento de lojas em 2019”, conforme dito pelo vice-presidente Adalberto Pereira Santos, a Marisa aposta na ampliação de lojas integradas ao e-commerce (onde funcionam o click-and-collect, opção de 10% dos clientes da marca), e também no sortimento do site, já que 40% das vendas digitais são de produtos encontrados apenas online.
A marca também passou a fazer melhorias nas coleções, com mais informação de moda, além de lançar “cápsulas” (ou minicoleções) para reforçar seu posicionamento, melhorando os resultados, segundo a varejista. Recentemente, a Marisa também afirmou que deve entrar em um grande marketplace no segundo semestre.
De acordo com o especialista da GS&Consult, para qualquer varejista, de qualquer tamanho, se manter de pé frente às turbulências internas ou externas, é preciso cuidar de aspectos básicos, como a margem. Basta ver a compra recente da Netshoes, uma empresa que nasceu no digital, é referência online, mas está endividada.
“Esse é o pilar fundamental para qualquer varejo: ter saúde no que vende, ou de uma hora para a outra a empresa deixa de ser sustentável”, explicou.
Rebetez lembra que o avanço da transformação digital em varejistas como a Marisa implica em atender o cliente online e offline do mesmo jeito, sem fricção e em qualquer canal. E isso passa por eficiência operacional, para melhorar a experiência do consumidor e ampliar a relevância da marca.
“Fechar uma loja que não vai bem por qualquer motivo não é um sinal de derrota; é até salutar para o varejo”, afirmou. “Basta abrir em outro local, colocar mais peso no e-commerce… O importante é usar essa estratégia para alcançar o consumidor, pois ele já começou a explorar outros canais de venda há muito tempo”, finalizou.
Fonte: Diário do Comércio
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