Nesta época do ano, a questão sempre volta: como será o Natal? Em um ano de Copa do Mundo, com antecipação de compras, recesso após e depois eleições presidenciais, a projeção do comportamento do Natal incorpora elementos inusitados e traz algumas dificuldades adicionais.
Em primeiro lugar, é preciso relembrar que, em nosso cenário atual, temos massa salarial com crescimento próximo a 2%, emprego estável, com os setores de serviços e comércio absorvendo a contração gerada no setor industrial e a oferta de crédito ao consumo estável, apenas ajustada por um excesso de cautela do setor financeiro, que dificulta e inibe um maior crescimento de seu uso.
Como parte do cenário, temos ainda um nível de inadimplência estável, quando não declinante, segundo dados do Banco Central e o nível de endividamento das famílias em um patamar alto. Quando calculado com base nas receitas dos últimos 12 meses, porém estável nos últimos seis meses e, com tendência de queda, quando analisado isoladamente o endividamento não imobiliário.
O maior salto no endividamento das famílias ocorreu pela conjugação da maior oferta de crédito ao consumo e pela expansão do financiamento no setor de imóveis, que permite a substituição de pagamento de aluguéis pelo pagamento de prestações do imóvel próprio que tem características diferentes do crédito ao consumo.
A componente mais crítica no comportamento do consumo está ligada à confiança dos consumidores, que já vinha mal e sofreu forte abalo com o resultado das eleições que derrotou as expectativas e a opinião de uma parcela significativamente maior do potencial de consumo nacional, uma vez que as regiões mais significativas em seu potencial foram aquelas em que predominou a preferencia pelo candidato derrotado. Ou seja, a confiança que já vinha mal nos segmentos mais afluentes e que determinam a maior parte da tendência de consumo tenderá a piorar nos próximos a meses.
A menos que sejam criados “factóides” econômicos que tentem criar uma cortina de fumaça sobre a realidade emergente, o que já era complicado tenderá a piorar com impacto direto nas vendas do varejo no final do ano, agravado pelo retrato da realidade de inflação crescente e aumento das taxas de juros.
Sempre será possível apelar para um conjunto de elementos que visem resgatar a confiança de curto prazo com estímulos direcionados e, neste caso, como sempre, a indústria automobilística deverá, mais uma vez, ser privilegiada, apesar de gerar, em toda sua cadeia, perto de 350 mil empregos, pouco menos do que 5% do total do emprego do comércio no Brasil.
Um alerta importante deve ser colocado com respeito ao Black Friday, que deverá ter recorde de vendas no final do mês de Novembro por conta do crescimento de sua importância promocional e à crescente adesão de marcas e lojas que ampliam sua cobertura envolvendo vendas pelo ecommerce e lojas e que terá impactos diferentes nas vendas do Natal. De um lado esse forte crescimento poderá ser confundido com predisposição a gastar, o que será um equívoco e, de outro, suas vendas antecipadas faltarão na equação de apuração dos resultados do período natalino.
Com os elementos hoje disponíveis a perspectiva do Natal é muito mais para um período de dieta, marcado por um comportamento do consumidor mais racional e cauteloso, aproveitando ofertas antecipadas no Black Friday e depois se concentrando em itens de menor valor e, segura e cautelosamente, aguardando as promoções pós Natal para completar sua lista de compras.
Mudanças podem ocorrer dependendo do que se crie, em termos de alternativas, para mudar o “astral” do mercado mas terão que ser realmente inteligentes e ambiciosas para gerar um clima diferente do que aí está.
Sempre é possível acreditar que pode ser diferente, mas haja imaginação!
Marcos Gouvêa de Souza (mgsouza@gsmd.com.br) diretor-geral da GS&MD – Gouvêa de Souza.