Faltam peças e componentes na indústria automobilística e isso reduz a oferta de carros novos e eleva o preço dos carros usados. E não é só no Brasil. Estudos indicam que 3,6 milhões de veículos deixaram de ser produzidos globalmente.
Existe um apagão de contêineres no mundo que com previsão para ser equacionado apenas na segunda metade de 2022. No Brasil essa realidade atrasa as exportações da indústria e do agronegócio, aumentando o preço do frete, influenciando os resultados da balança comercial e, também por seu impacto nas importações, a inflação interna.
No setor de material de construção, o boom interno já durante a pandemia e na retomada resultou em falta de produtos e forte inflação nos preços, que no período de julho de 2020 a junho de 2021 aumentou em 32,92% segundo o INCC-DI (Índice Nacional de Custo de Construção – Disponibilidade Interna) apurado pela FGV.
Sem falar na escassez de muitos produtos e seus impactos na desorganização do abastecimento do setor, o que, em último caso, atrasa e encarece projetos e incorporações.
Na área de alimentos, existe o atrativo do mercado externo impactado pelo câmbio, que estimula exportações e coloca pressão na inflação interna do setor que, junto com a inflação na área de transportes, causada pelo aumento dos combustíveis, ajuda a puxar a inflação geral.
A falta de chips e componentes eletrônicos ajudou a encarecer nos últimos 12 meses os smartphones em 30% e os notebooks em 40%, segundo a GfK.
A realidade é que a desestruturação geral de mercado, precipitada pelas restrições causadas pelo isolamento, contingenciamentos e questões de transporte e frete impostos pela pandemia e as desigualdades setoriais e regionais na retomada estão cobrando agora seu preço, criando uma situação que favorece a alta de preços e a falta de peças, componentes e produtos. Isso compromete e desorganiza a retomada no mundo e no Brasil.
E isso nada tem a ver com questões políticas ou pontuais, uma vez que a origem de tudo está numa questão estrutural gerada pela origem do problema imposta pela pandemia.
Mas na prática isso obriga a revisão de estratégias, planos e opções, além de alternativas de curto e médio prazo, especialmente no varejo, quando nos aproximamos do período mais promocional do ano, marcado pelas campanhas de Black Friday, Natal e os ajustes que ocorrem pós final de ano.
Será um último trimestre neste 2021 cheio de emoções, no qual iremos conviver com preços mais altos, como resultado dos ajustes precipitados em várias categorias, consumidores ainda cautelosos, porém ávidos pelo retorno à normalidade, pontuais restrições de ofertas em categorias, produtos e marcas, e tudo isso ponderado por um clima político e social instável por conta da antecipação do debate e dos embates eleitorais que acirram desnecessariamente os ânimos e minam a confiança.
Como consequência, temos o atraso na retomada do emprego, da renda e da massa salarial, retardando um pouco mais o desejável retorno pleno dos investimentos que poderiam contribuir para a equalização geral do mercado.
Tudo que não precisaríamos nessa perspectiva positiva da retomada depois de tanto sofrimento causado pela pandemia.
Parece quase ingênuo propor bom senso e equilíbrio na análise de todos esses fatores e nas manifestações empresariais, políticas e das lideranças setoriais de forma a baixarmos de forma natural a “fervura” artificialmente inflada pela antecipação das discussões eleitorais que têm como principal consequência reduzir a confiança dos consumidores-cidadãos.
Depende muito do setor empresarial, mais uma vez, dar o tom certo e oportuno quando o político e o institucional falham em sua responsabilidade de criar equilíbrio e confiança.
Nota: O Ecossistema Gouvêa desenvolveu metodologia própria integrada e plural de revisão estratégica, combinando suas competências ligadas à economia e às transformações estruturais, comportamentais e de mercado, por categoria, canal e segmentos de consumo e geográfico, para apoiar negócios no repensar de suas atividades presentes e futuras.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
Imagem: Shutterstock