Era um movimento identificado e monitorado. E surgiram siglas e conceitos, do Vuca ao Bani, visando capturar da melhor maneira possível a intensidade, a profundidade e a amplitude do processo transformacional que o mundo vivia pré-pandemia.
A pandemia só fez acelerar movimentos transformacionais que têm no epicentro de tudo o tal omniconsumidor-cidadão 5.1, sobre o qual conversamos recentemente quando falamos sobre as mudanças na comunicação promocional (vide Momentum 930).
De forma mais abrangente e direta, tudo muda por conta das mudanças no epicentro nevrálgico que é exatamente esse consumidor-cidadão emergente da pandemia em cada realidade local.
O convívio virtuoso com essa transformação na sociedade e nos comportamentos, expectativas, ambições, hábitos e demandas dos consumidores-cidadãos demandam uma nova cultura empresarial, estruturas e organização das empresas e dos modelos de negócios.
Como organização estrutural protagonista no cenário emergente os ecossistemas de negócios – como temos discutido em outros artigos desta série – têm demonstrado uma capacidade diferenciada em serem agentes transformadores da realidade e, ao mesmo tempo, uma capacidade ímpar de se adaptarem ou promoverem as transformações que têm sido observadas.
Mas no contexto interno das empresas e organizações o conceito Lab parece ser uma resposta igualmente importante para o cenário em transformação.
O conceito Lab foi importado de outras áreas e significa a capacidade de desenvolver, testar, prototipar e implantar rapidamente inovações ou alternativas que possam ser interessantes para o conceito central de uma atividade ou mesmo apenas convergente com isso.
Inúmeras empresas criaram labs para acelerar processos de inovação sem comprometer as atividades tradicionais, mas convivendo de forma harmoniosa em busca da conciliação e da necessária inovação com o prosseguimento das jornadas habituais.
Magalu fez isso em diversas frentes de inovação no ambiente digital. O Itaú criou o Digital Lab com a mesma proposta. A Via criou a Casa Bahia Laboratório. E há muitos exemplos mais no Brasil e no mercado mundial.
São iniciativas para acelerar o processo inovador alocando equipes, recursos e foco para promover a transformação com a incorporação futura do que se aprenda no processo.
Da mesma forma como ocorreu no início do ciclo do e-commerce, quando muitos justificavam a necessidade de criação de estruturas apartadas, com os labs, para acelerar e dar foco no novo negócio sem comprometer as atividades habituais, percebeu-se que, quando a transformação é de amplo e abrangente espectro, isso atrasava e não criava sinergias indispensáveis.
No Brasil foram muitos exemplos de separação estrutural, como o Pão de Açúcar, Americanas, Carrefour, Renner, Riachuelo, Casas Bahia e muitos outros. Havia uma profunda lógica, defensores, propostas e razões convincentes, mas atrasaram o irreversível processo de integração.
Os movimentos feitos por Walmart em termos globais, por exemplo, incubando e separando o projeto de seu e-commerce, só fizeram atrasar a necessária transformação estrutural da empresa, abrindo espaço para o maior crescimento dos nativos digitais, como Amazon. Essa decisão só mais recentemente foi revista, integrando o físico e o digital na cultura, nos processos, nas compras, na comunicação, na logística e em muitos outros aspectos.
Afinal de contas, o omniconsumidor-cidadão é um só. É único. E pensa com uma só cabeça, se sensibiliza com um só coração e consome com uma só carteira.
E sem esquecer que o novo, desafiador e empoderado omniconsumidor-cidadão é também o nosso colaborador, funcionário ou membro de nossos times, fator vital de mudanças em nossas organizações.
E é reconhecido que o desafio de inocular a cultura digital numa organização nativa analógica demanda decisivo patrocínio da liderança, foco, comprometimento e muito trabalho de desconstrução e reconstrução, principalmente cultural.
A emergência da empresa lab
Para além da integração das estruturas físicas e digitais, tema praticamente superado na discussão dos modelos de organização, a questão que o momento impõe são a emergência de uma cultura e um modelo de gestão lab.
Como resultado é necessário repensar praticamente tudo nas organizações para que elas reflitam a atitude lab requerida nas suas estruturas mais flexíveis, nos perfis, valores e atitudes de seus líderes e profissionais, em seus modelos de remuneração e participação, nos programas de incentivo e reconhecimento, no desenvolvimento e incorporação de novos aprendizados, na definição de prioridades, no estímulo ao aperfeiçoamento contínuo de seus times e, em especial, no próprio modelo de liderança.
A começar por como nominar quem trabalha e participa do processo. Saem de campo os conceitos de empregados, funcionários, colaborares e outros similares sendo substituídos por outros que melhor reflitam o novo momento, como times, coletivo ou equipes, mais adequados aos conceitos emergentes de permanente e necessária mútua colaboração, interdependência e construção coletiva.
Como sempre muito mais simples para identificar e enunciar, especialmente para quem desenvolve habilidades e competências para fazer diagnósticos e, muito mais complexo, para executar, principalmente porque olhar o macrocenário e identificar para onde e como navegar no meio do oceano ou em pleno voo requer instrumentos, recursos, isenção e atitudes mais difíceis e complexas no processo de aceleração de tudo.
Isso se torna fundamental e quanto mais rápido for feito, melhores os resultados.
Nota. O Ecossistema Gouvêa atua combinando suas competências ligadas à economia e às transformações estruturais, tecnológicas, digitais comportamentais e de mercado, por categoria, canal, formato, geografia e segmentos para apoiar negócios no repensar de suas atividades presentes e futuras.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvea Ecosystem e Publisher da Plataforma Mercado & Consumo.
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