O tema é mais do que polêmico. A variação de 77% do valor da ação do Magalu (MGLU3) no período de 52 semanas, entre o máximo de R$ 27,07 e o mínimo de R$ 5,62, com valor de fechamento na última sexta feira de R$ 6,22, passa a ideia de que a empresa vive um momento difícil. Nada mais equivocado.
A empresa continua e continuará crescendo e expandindo em seu modelo de ecossistema de negócios, integrando e incorporando novas atividades convergentes com sua atividade original e com a visão muito clara de que pode avançar à medida que conheça e use de forma inteligente os dados obtidos a partir do monitoramento do comportamento de seus consumidores no seu marketplace, dentro das rígidas regras da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados). E com muitas possibilidades de incorporação e expansão de negócios.
Talvez essa desvalorização possa inibir momentaneamente algumas aquisições por troca de ações. Da mesma forma que a queda do valor da ação da Americanas (LAME4), que teve algumas mudanças estruturais relevantes no período, e fechou com variação negativa de 79% entre 10/1/21 e a última sexta-feira (07/01/2022).
No mesmo período, as Lojas Renner (LREN3) teve redução de 38% e a Riachuelo-Guararapes apresentou variação negativa de 41%. Pão de Açúcar (PCAR3), que fez uma mudança estrutural importante envolvendo o Assaí, apresentou variação negativa de 75% e a Via, antiga Via Varejo (VIIA3), teve variação negativa de 71%.
Afora as circunstâncias estruturais relevantes como Americanas e Pão de Açúcar, essas variações não refletem a realidade do comportamento dos negócios em si.
O potencial de crescimento e de expansão de suas atividades no cenário brasileiro, onde o nível de concentração de mercado ainda é muito baixo, além das oportunidades de consumo ligadas ao aumento da massa salarial, crédito e confiança do consumidor, são significativos.
É preciso reconhecer que o conjunto desses fatores, momentaneamente, sofre por conta de expectativas negativas que o cenário mais amplo criou. Mas não podemos esquecer que é situação de momento.
Tudo isso é uma avaliação e “precificação” no jargão financeiro, comparando o ambiente econômico, o comportamento do setor, do negócio e a atratividade que as ações dessa e de outras empresas possam ter no futuro próximo envolvendo os setores de varejo e consumo.
Mas não refletem de forma correta a competência dos líderes e gestores dos negócios, nem a tecnologia embarcada em suas soluções, menos ainda seus planos de expansão e nem seu poder de compra e estrutura logística.
Também não avaliam seu conhecimento do mercado, o nível de fidelidade de seus consumidores, localização de suas lojas e centros de distribuição, sua maturidade digital, seus investimentos em novos canais de vendas e relacionamento e a realidade futura do consumo no Brasil.
Não consideram ainda a visão do negócio no longo prazo e seu potencial de crescimento, a partir da racionalização de custos e da melhoria de rentabilidade pela competitividade derivada de seu crescimento.
Mais preocupante. Em tese, tudo isso está sendo considerado corretamente. E de forma lógica, meticulosa e minuciosa está embarcado na “precificação” que é feita no mercado acionário.
No mais das vezes é uma avaliação de momento, com forte componente especulativo, feita por profissionais inteligentes, muito preparados e competentes para maximizar os ganhos de seus clientes investidores.
Da mesma forma como em outros momentos, o crescimento exponencial do valor da ação num determinado período recente não representava corretamente o comportamento real do desempenho da empresa naquele instante e no futuro.
No jargão financeiro, essa escalada desproporcional de preço, o overshooting, foi precipitada por uma avaliação embasada, inteligente e explicável por muitos diferentes aspectos, quase sempre visando ganhos para seus clientes, por quem tem a arte e a competência dessas avaliações.
E como resultado, muitos pequenos e médios investidores, menos preparados, menos informados e menos estruturados, perdem em seus investimentos financeiros quando acreditaram no milagre da sobrevalorização muito rápida.
Em parte, se afastam do mercado acionário por um bom tempo, ou definitivamente, por conta das perdas pessoais. Nada que não seja conhecido e, repetitivo.
É um processo contínuo e faz parte do jogo de mercado.
Lições que ficam
Tudo isso faz lembrar uma colocação que ouvimos muitos anos atrás num debate que participamos com Anita Roddick, então ainda líder da Body Shop, ícone global do setor de cosméticos naturais, e Miguel Krigsner, fundador do Boticário.
Miguel perguntou se haveria alguma coisa que ela tivesse se arrependido em sua trajetória empresarial.
A resposta da Anita foi, sem pensar duas vezes, que a única coisa que se arrependia era ter aberto o capital da empresa, pois desde então, na sua manifestação, a empresa tinha perdido parte de sua alma e valores, tendo passado a ser administrada, na sua visão, com base nas cotações das ações e nos resultados do trimestre.
É uma colocação extrema e que não reflete o processo intenso de transformação de um mercado, e até mesmo de uma sociedade, pela evolução do segmento acionário, especialmente como temos vivenciado nos anos recentes no Brasil.
Com muitas empresas abrindo capital e criando recursos para acelerar seu crescimento, diversificar negócios e alavancar oportunidades, o mercado acionário tem sido um forte impulsionador da expansão e consolidação de negócios no País. Só em 2021 foram levantados R$ 145 bilhões na Bolsa brasileira, quando se considera também a combinação da captação do Nubank aqui e no exterior.
Mas é inegável que essas flutuações assustam e criam cautelas positivas no sentido de educar o investidor individual, mas, ao mesmo tempo, a magnitude, intensidade e velocidade das variações que acendem luzes de alerta com preocupações sobre a natureza das avaliações, aspectos considerados, entendimento de mercado e decisões de investimentos.
Mas é importante não se envolver com a excitação das variações das cotações e da flutuação do valor das ações com o comportamento do mercado real, o desempenho empresarial presente e futuro de empresas estruturadas e com projetos sólidos de longo prazo.
São coisas que podem ser muito distintas.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
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