A palavra startup já não é mais tão atraente quanto há alguns anos. O modelo de trabalho flexível, a cultura humanizada, o plano de desenvolvimento rápido e, quem diria, até as mesas de ping-pong não conseguiram atravessar a crise de forma ilesa. O cenário global de inflação, somado ao impacto no preço das cadeias de suprimento que a guerra da Ucrânia trouxe, mudou o rumo do crescimento acelerado das empresas.
Em 2018, os primeiros unicórnios começaram a surgir no Brasil e, pela primeira vez, o País ultrapassou a marca de US$ 1 bilhão investidos nas novas empresas, de acordo com um relatório da consultoria Distrito. Nessa época, o LinkedIn estava repleto de publicações dos colaboradores das startups mostrando o rompimento com o modelo de trabalho tradicional. Tecnologia, flexibilidade e benefícios eram temas recorrentes.
No ano seguinte, o valor aportado nos unicórnios triplicou para US$ 3 bilhões. A pandemia fez com que o ritmo de crescimento continuasse acelerado, já que a tecnologia passou a ser ainda mais importante. O ano de 2021 continuou trazendo boas notícias aos fundadores, investidores e colaboradores das startups. A reviravolta, de fato, começou neste ano.
A inflação e a alta dos juros tornaram os investidores mais conservadores. Ainda de acordo com dados da Distrito, os investimentos durante o primeiro semestre de 2022 sofreram uma queda de 68% em comparação com o mesmo período do ano passado. Agora, no LinkedIn, as fotos dos times reunidos em salas recreativas foram substituídas por relatos de demissão. Afinal, a queda de capital normalmente vem acompanhada de corte de funcionários.
As startups que mais sofreram com a falta de investimentos foram aquelas classificadas como late stage, fase em que a empresa já é conhecida no mercado e tem uma base de clientes e parceiros sólida. As empresas em early stage, que estão no estágio inicial de captação de recursos, tiveram um crescimento de aporte de 14%. Não há como ter a certeza de que as empresas mais jovens vão seguir com uma onda de crescimento otimista. Porém, há um cenário concreto acontecendo: as startups de Relações Humanas (RH) não sofreram os impactos da crise – na realidade, fizeram o movimento contrário.
As startups de RH, conhecidas como HRTechs, não seguiram a corrente de demissões e conseguiram crescer neste ano. As HRTechs são empresas que desenvolvem infraestruturas tecnológicas para a gestão dos colaboradores. O distanciamento social dos últimos anos fez com que muitas empresas procurassem tecnologias que as ajudassem a manter uma boa relação com os funcionários de forma digital.
A necessidade de cumprir com as responsabilidades do RH por meio de canais exclusivamente digitais, por si só, levou as HRTechs a crescerem contra a crise do mercado. Mas, além disso, as próprias demissões em massa levaram as empresas a procurarem startups para lidar com os direitos rescisórios e as possíveis novas contratações.
Ao contrário do cenário geral, o conservadorismo não é encontrado nos investimentos em RH. A consultoria Distrito levantou que, nos seis primeiros meses deste ano, US$ 247,5 milhões foram investidos nas HRTechs. Esse número já é maior que o total arrecadado em 2021, que somou US$ 241,3 milhões.
Apesar do crescimento acelerado, o mercado de HRTechs ainda é pequeno no Brasil. Segundo o mapeamento de inovação da Liga Ventures, cerca de 300 empresas atuam no ramo no País. Mesmo precisando do serviço de gestão de pessoas ligado à tecnologia, muitas empresas ainda têm receio de contratar as startups, já que não estão em um período de bonanças. Por isso, as startups têm o desafio de provar sua relevância para entrar no orçamento das empresas, mas as previsões são boas.
Até o final do ano, o LinkedIn deve ter mais relatos de demissões vindas de ex-funcionários de startups. Ao mesmo tempo, o investimento em serviços tecnológicos de RH deve crescer. A crise provocou uma queda nos investimentos, mas também provou que a gestão dos colaboradores deve ser considerada um ponto estratégico dentro das empresas. Ou seja, os investidores estão mais conservadores e escolhendo melhor em que área devem investir: nas pessoas.
Carlos Carvalho é CEO da Truppe!
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