Em maio, ocorreu em Chicago o NRA Show 2022, um dos maiores eventos do setor de foodservice do mundo. A Mosaiclab, empresa de inteligência de mercado que conduz múltiplos estudos sobre foodservice no Brasil, esteve presente com a delegação da Gouvêa Foodservice e Mercado&Consumo, e traz a visão de inteligência das visitas técnicas realizadas, da feira e das suas palestras.
Nossa jornada se iniciou com visitas técnicas, nos dois primeiros dias, a estabelecimentos que mostraram como crescer, inovar e criar oportunidades em um mercado que sofreu durante dois anos de pandemia e fortes restrições.
No primeiro dia, visitamos a Foxtrot e a Joe & the Juice, e pudemos verificar, na prática, como a conveniência, enquanto fator de decisão de consumo, continua a exercer um papel fundamental no setor.
Uso de aplicativos, pagamentos digitais e retirada de pedidos são centrais na operação das duas redes, que não aceitam pagamento em dinheiro físico e que apostam na alimentação saudável e na venda de produtos frescos para diferentes ocasiões do dia, seja para uma refeição matinal, seja para um almoço leve e rápido, ou seja mesmo indulgência e encontro de amigos.
Após dois anos de pandemia, os consumidores aprenderam a se relacionar de maneira diferenciada com seu tempo, sua casa e seu trabalho. A conveniência, fortalecida pela aceleração digital, facilita as experiências de consumo das pessoas.
Não à toa, no mercado brasileiro a conveniência continua sendo a principal razão de consumo das pessoas: de acordo com a Crest, pesquisa realizada pela Mosaiclab em parceria com o The NPD Group, no 1º trimestre de 2022, 51% dos consumidores reportaram esse fator como o principal para fazer uma refeição preparada fora do lar.
Ao mesmo tempo, a digitalização ganha força: pedidos digitais saltaram de 4% do tráfego do setor, antes da pandemia, para 13% do total de visitas, enquanto pagamentos digitais já representam 4%, mais do que o dobro no início da pandemia. Ou seja, o consumidor desenvolveu um novo hábito durante os últimos dois anos, que está ganhando força e espaço no setor.
No mesmo dia, também visitamos a Farm On Ogden, fazenda urbana localizada em um subúrbio carente de Chicago, dedicada a apoiar e cuidar das comunidades mais vulneráveis oferecendo alimentação orgânica e saudável por preços abaixo do custo, além de conectá-las com clínicas médicas para oferecimento de maiores cuidados com saúde.
Um trabalho primoroso que fortalece o conceito de ESG dentro dos negócios, ajudando a fortalecer as comunidades em que estão inseridos, inspirando outros estabelecimentos do foodservice a desenvolverem iniciativas similares de apoio.
No Brasil e mundo afora, durante a pandemia, muito se falou sobre “apoiar negócios locais” para geração de renda a pequenos empreendedores que teriam dificuldades para suportar as fortes restrições ao consumo. Por meio do Crest, vemos o impacto desse apoio: no final de 2020, 26% dos consumidores brasileiros apontaram essa razão para consumir uma refeição preparada fora do lar. No início de 2022, 20% dos consumidores ainda sustentam a tese de apoiar negócios locais. Existe espaço para esse apoio crescer e ganhar mais espaço, propiciando um crescimento mais sustentável do setor, em suas diferentes localidades, e fortalecendo as comunidades.
Aprendemos e presenciamos que o foodservice também pode ser um forte aliado na recuperação e ressignificação de espaços tradicionais. O Revival, o mais antigo food hall de Chicago, ocupa um espaço grande no lobby de um antigo prédio corporativo no movimentado centro da cidade, oferecendo conveniência para quem trabalha pela região ou está de passagem, além de inúmeras opções de gastronomia de diferentes nacionalidades.
Conta também com um aplicativo próprio, no qual pedidos e pagamentos podem ser realizados, com a retirada em um local específico do food hall, tornando o momento da refeição mais conveniente para o consumidor.
Na Nordstrom, conhecida rede de loja de departamentos, conhecemos um restaurante que adicionou um fator de geração de tráfego no estabelecimento, com um serviço primoroso e rápido de full service. Ou seja, a loja passou a contar também com o movimento de consumidores que, a princípio, estão em busca de uma refeição, e que podem realizar compras antes ou depois do consumo.
O Time Out Chicago, localizado no agitado Fulton District, reúne também diferentes culinárias, grandes espaços internos e externos, propício tanto ao almoço durante o dia útil quanto para refeições noturnas e happy hour, capturando tráfego nas diferentes ocasiões do dia e da semana e atendendo diferentes perfis de consumidores.
Além disso, no espaço também os pagamentos são feitos apenas por meios digitais, e eles dispõem de aplicativo próprio para facilitar as transações e para que os consumidores não peguem filas. Para momentos de descontração, por exemplo, isso torna o consumo mais frictionless para as pessoas.
Com a retomada das atividades presenciais e com mais pessoas nas ruas, saber capturar as diferentes ocasiões de consumo é fundamental: no começo deste ano, 58% dos consumidores brasileiros afirmaram que estavam em casa antes de comprarem uma refeição preparada fora do lar.
Quando analisamos o consumo relacionado ao trabalho, 27% dos consumidores estavam em seus escritórios antes da refeição, ou a caminho dele (seu pico foi em 2018, com 34%). Ou seja, após dois anos de pandemia, o consumidor criou novos hábitos de consumo e será um diferencial os restaurantes saberem capturar o movimento das pessoas em suas diferentes possibilidades ao longo do dia e da semana, seja em um rápido almoço durante os dias úteis, seja no consumo de indulgência nos finais de semana ou, por que não, à noite após o trabalho.
Tratando da experiência, visitamos três estabelecimentos que mostram como esse fator pode ser o diferencial para o sucesso. Dom’s Kitchen & Market, Te’Amo e Starbucks Reserve mostraram que o cuidado com a curadoria dos produtos e com o ambiente (da decoração moderna à disposição das ilhas de mercadorias) pode alavancar as vendas e garantir o tráfego.
Destaque para o Dom’s, que mescla o consumo de supermercado com cafeteria, pizzaria e padaria, oferecendo também um amplo espaço que pode ser utilizado para eventos e confraternizações – mas que não deixa de fortalecer também a conveniência, com refeições prontas e frescas para o consumo.
Da feira, destacamos a revolução dos produtos plant-based. Se na edição de 2019 falava-se muito dos novos hambúrgueres que imitavam carne bovina, na edição deste ano vimos a explosão de possibilidades que essa nova indústria oferece para o foodservice e seus consumidores.
Frango, ovo, atum, peixe, os diferentes tipos de proteína animal foram ressignificados a partir do uso de plantas na criação de novos produtos, muitos dos quais, vale dizer, não levam soja em sua composição, e buscam alternativas de proteínas vegetais, como ervilhas, grão-de-bico e feijões.
A expansão dos produtos plant-based está focada no aprimoramento do produto enquanto substituto de proteínas animal, com foco em qualidade, saúde e maior público. Se no passado os produtos estavam nichados entre vegetarianos e veganos, hoje as empresas buscam atingir os “flexitarianos”, ou seja, aqueles que não deixaram de consumir carne animal, mas que buscam reduzir o seu consumo, seja por questões de saúde, seja por sustentabilidade.
De acordo com o Crest, no Brasil ainda existe espaço para o crescimento desse mercado: no começo de 2022, apenas 7,5% dos consumidores afirmaram que buscaram uma opção mais saudável em um prato preparado fora do lar, menor do que os 9% de 2018 ou os 8% de antes da pandemia (o que, em grandes números, significa centenas de milhares de consumidores).
Ou seja, o desafio das marcas é fazer o consumidor entender e aceitar melhor o propósito dos seus novos produtos, mostrando que é uma alternativa possível na redução do consumo de carne, sem renunciar a aspectos nutricionais ou de sabor.
E qual é a grande oportunidade para o foodservice em um mundo cada vez mais dinâmico e digital?
Alexis Ohanian, cofundador do Reddit, sumarizou o impacto do digital na vida das pessoas no pós-pandemia:
Ou seja, o desafio para os restaurantes (mas não se limitando a eles) é tornar a experiência dos consumidores cada vez melhor, mais conveniente, frictionless, em seus diferentes canais. O consumidor desenvolveu uma nova relação com sua casa, seu trabalho, sua família e, principalmente, seu tempo durante a pandemia e, mais do que nunca, tem infinitas possibilidades à sua disposição no mundo digital.
Quando estiver no mundo físico, off-line, buscará aquilo que realmente lhe proporcione uma experiência que o online não seria capaz. Para o foodservice, a omnicanalidade finalmente ficou clara: o digital pode ser um grande aliado do físico.
Seja no horário do almoço em um dia de trabalho corrido, seja para um momento de indulgência com amigos e família, em casa ou em um restaurante, em um mundo onde a inflação crescente está fazendo as escolhas se tornarem mais racionais e difíceis, o consumidor buscará opções que valorizem seu tempo e seu dinheiro.
Conveniência, digital, inovação e experiência são palavras que já norteiam o consumo, e são caminhos seguros para os restaurantes recuperarem o que perderam ao longo de dois anos difíceis, e crescerem de forma sustentável.
Eduardo Bueno é coordenador de Projetos na Mosaiclab.
Imagem: Shutterstock