Vivemos um quadro no Brasil atual onde temos sistematicamente contrariado as expectativas mais negativas e caminhado de soluço em soluço melhor do que se previa. Mas muito aquém do que deveria.
O cenário global está marcado por turbulências econômicas, políticas e sociais, sem perspectivas de reversão de curto prazo com inflação elevada e disseminada, desarranjo das cadeias globais de abastecimento, invasão da Ucrânia e mais problemas gerados pela elevação dos custos de energia e combustível que se aproximam de seu ponto mais dramático com a proximidade do inverno no Hemisfério Norte.
No plano interno, apesar do desafiante cenário global, vivemos um momento complexo e delicado também no cenário econômico, com baixo crescimento, porém positivo. Desemprego elevado, mas declinante. Renda real em baixa afetada pela inflação elevada, com leve melhoria da massa salarial por conta da melhoria do emprego e os supreendentes quase 14 milhões de MEIs.
Sem falar nos problemas gerados pelo crédito ao consumo, caro e escasso, que inibe o crescimento das vendas no comércio e no varejo, afetando o desempenho da indústria local que não consegue aproveitar de forma plena o atual momento cambial para exportar.
Com evidente exceção dos setores ligados ao agronegócio, que vive momento cada vez mais positivo pela conjugação de sua competência em tudo que diz respeito à produção, distribuição de sua produção e crescimento da demanda global, apesar do difícil quadro econômico e o cambio favorável. No setor do agronegócio só falta agregar mais valor evoluindo de fornecedor de commodities para provedor de marcas e com maior participação nos canais de distribuição.
A realidade econômica no Brasil poderia ser diferente e melhor se fizéssemos nossa mínima lição de casa envolvendo as reformas tributária e política e enterrássemos de vez esse mal da reeleição. Só para começar a transformação.
No cenário atual, o curto prazo será alterado pelo artificialismo dos incentivos e benesses recém aprovados e que serão distribuídos às vésperas das eleições na tentativa de melhorar a percepção sobre o momento e, sem dúvida, terá impacto nos resultados das eleições. Vamos viver mais uma vez o ilusionismo de curto prazo comprometendo o cenário futuro. Já vimos esse filme antes algumas vezes.
É preciso isenção, bom senso, informação e equilíbrio para entender a realidade de forma plena, ponderando pontos positivos e negativos, já que nesses últimos tempos temos nos esmerado em contrariar as expectativas mais tenebrosas, seja no comportamento geral da economia, na própria inflação, no emprego e na renda. E isso é positivo.
Mas, ao mesmo tempo, temos comprometido o futuro por não avançarmos em temas estruturantes e estratégicos que nos fazem reféns do casuísmo e do curto prazismo protelando as transformações que possam capitalizar o enorme potencial que temos como país e nação.
E sempre é importante lembrar o quanto temos sido competentes e visionários em setores estratégicos por conta das inovações, competência, visão e determinação dos setores empresariais, forjadas durante anos de elevada inflação que gerou uma cultura de flexibilidade, agilidade e capacidade inventiva para sobreviver aos cenários adversos.
É inegável que, dadas as circunstâncias geradas pela polarização e pelas pesquisas eleitorais atuais, temos uma situação em que deveremos escolher entre o ruim e o pior quando se considera o País que temos e o que queremos. E paixões políticas à parte, o ruim e o pior dependem da avaliação individual de cada um.
E as opções neutra ou de anular no segundo turno apenas geram um conforto emocional de curto prazo, quase inconsequente, por não compactuar com as alternativas ruim ou pior, mas transferem a responsabilidade de escolher o que é melhor para o País para outros. E lavam-se as mãos. Não fui eu que escolhi!
É inegável que considerando todo o cenário à frente, mais uma vez, estamos fadados ao mais do mesmo por não enfrentarmos de frente os problemas crônicos que temos.
Ou o setor empresarial assume mais e novas responsabilidades na busca de transformações políticas e econômicas relevantes ou vamos ficar nessa indigesta discussão do ruim e do pior por muito mais tempo.
Na mais realista perspectiva atual, esse quadro irá se alterar apenas por obra do acaso. E não dá para confiar no acaso em temas tão importantes como esses. É difícil assumir, mas tudo indica que vamos deixar para nossos sucessores um País pior em muitos aspectos do que recebemos.
A educação é um exemplo, tanto quanto segurança, desigualdade e respeito internacional. Para não falar em sustentabilidade. De outro lado, temos melhorias relevantes em áreas como tecnologia, agricultura, saúde e solidariedade.
E provavelmente, cada pessoa, com sua perspectiva, terá visões próprias do melhoramos ou pioramos na lista de nossos legados.
Ainda que repetitivo, é preciso propor novamente que o setor empresarial, com sua visão global, raciocínio estratégico, educação e capacidade de mobilização, repense e aja para transformar o futuro através de uma presença e atuação mais direta e decisiva nos grandes temas nacionais.
Ou continuaremos apenas a debater, apaixonadamente, sobre o ruim e o pior por muito tempo mais. Estava mais do que na hora de mudarmos essa situação.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
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