Quando as coisas voltarão ao normal? As pessoas repetem essa pergunta desde março de 2020. A normalidade viria depois de duas semanas de lockdown, depois ampliou-se para dois meses e, por fim, após dois anos de pandemia a vida voltaria ao normal. Como disse o escritor Ryan Holiday em uma palestra ano passado, “o normal não existe”, e o mais importante: o que considerávamos “normal” foi o que nos causou toda situação. Foi o “normal” que nos deixou despreparados para o isolamento, o “normal” que nos trouxe até a pandemia.
E o que nos leva adiante? Temos que ter a coragem para entender que nossa realidade é cada vez mais instável, disruptiva, fluida, incerta, complexa, não linear, nos provocando uma mudança constante e desconfortável. Nesse ambiente é que nossos negócios se encontram com cada um de seus clientes, que os gestores se relacionam com suas equipes, que temos que lidar diariamente para seguir superando os obstáculos pessoais e profissionais.
Em um ano pós pandêmico com foi 2023, em que deveríamos ter voltado ao “normal”, quantos eventos sem precedentes aconteceram? Desde eventos climáticos, com calor excessivo, queimadas, nevascas ou chuvas destruidoras, passando por guerras que transformam a geopolítica global e impactam mercados tão distintos econômico e socialmente.
Os impactos dessas constantes mudanças afetam nossa forma de trabalhar. Até 2020 apenas alguns setores de negócio avaliavam o trabalho remoto como sendo uma boa alternativa. Apenas 5% dos brasileiros empregados faziam home office. Isto é, em apenas três anos, saímos de uma realidade de testes esporádicos para uma certeza inabalável de que o home office caiu no gosto de todos e teria vindo para ficar. Hoje, final de 2023 tudo está sendo repensado novamente. “A perda da força do teletrabalho é vista com clareza em episódios emblemáticos de grandes empresas nos últimos meses, incluindo Apple, Amazon Alphabet (do Google), Meta (do Facebook), Disney, Salesforce”. Segundo a última edição da Você RH, o home office que se tornou o novo normal em tempos pandêmicos, “caiu 40% no mundo e quase 50% no Brasil, desde 2022. Entre as novas vagas a maioria é totalmente presencial”. Apesar de em muitos casos, antes de perguntar sobre remuneração, candidatos perguntam primeiro sobre regime de trabalho. Mas as mudanças não param no retorno ao presencial. Agora começa a ser avaliada a jornada de quatro dias na semana. Normal?
As relações profissionais estão mudando, assim como o ambiente corporativo incluiu novos temas recorrentes nas suas políticas. A preocupação e os cuidados com a saúde mental aumentaram desde então, inclusive em faixas etárias mais jovens, que até então não eram tão suscetíveis. Não existe uma causa específica, mas as sequelas deixadas pelo isolamento na pandemia, a negligência no ambiente familiar (incluindo excesso de permissividade), empobrecimento da relação dos jovens com os pais e o uso excessivo da internet e das redes sociais, são vistos como principais fatores associados a transtornos mentais e até ideação suicida entre crianças e adolescentes – relataram especialistas ouvidos em matéria recente no Estadão.
De dois anos para cá, a Inteligência Artificial se tornou popular rapidamente, ampliando as oportunidades das nossas relações com marcas, serviços e mudando a forma como estudamos e buscamos por respostas e soluções. A nossa relação com a interface digital ficou mais intuitiva, alterando as expectativas de relacionamento entre clientes e marcas. Essa relação cliente-empresa está menos tolerante, menos paciente, com baixa fidelidade, mais instantânea e mais exigente por um nível de serviço superior. Se você não entregar serviço, não vai ganhar essa corrida.
Vivemos em um tempo em que ter estabilidade é pura ilusão e perda de energia. Devemos abraçar a mudança e nos preparar para ela, encarar essa nossa nova realidade de forma ativa e não passiva e não perder tempo desejando voltar ao que éramos no passado. Temos que nos planejar para viver nessa mudança constante, para atuar naquilo não previsto, nas relações humanas, comerciais ou ambientais. Qual seu plano B se houver alguma nova surpresa no caminho? Como respondemos mais rápidos e mais assertivos se algo não saiu conforme esperado? Essa mentalidade ajuda pessoas e empresas a se adaptarem a esse “novo normal”.
Em 2024 essa realidade não será diferente. Nossos clientes estão nessa velocidade, nossos colaboradores da mesma forma. Nossa sociedade toda está sendo impactada. Nossa forma de pensar o problema também deve ser. Esse é o nosso grande desafio, estarmos preparados para o inesperado acontecer, pensar de maneira positiva mesmo quando fica mais difícil e continuar a seguir mesmo quando a mudança é constante.
Alexandre van Beeck é gerente-executivo de Experiência do Cliente e Parceiro Ultragaz.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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