Há pouco menos de 10 anos havia somente um restaurante Madero no País, na cidade de Curitiba. No final do ano passado, o grupo já operava 276 unidades, incluindo a marca Jerônimo, que chegou a mais de 90 lojas em apenas 5 anos de vida. Boa parte desses locais fica em shopping centers.
Marcas como Madero, Coco Bambu, Camarada Camarão e Pecorino, entre outras, aceleraram seus processos de expansão para atender o apetite dos shoppings por uma nova ancoragem, capaz de atrair clientes de variados perfis para o mall. Até agora, salvo casos pontuais, a parceria tem se mostrado proveitosa para todos.
Justiça seja feita, a entrada de restaurantes no mix dos shoppings não é algo novo. Ela começou décadas atrás. Mas é inegável o aumento da velocidade com que a gastronomia se espalhou pelos shoppings dos quatro cantos do País, nos últimos tempos.
Só para dar uma ideia, na Allos, maior rede nacional, a quantidade de restaurantes pulou de 363 para 540, um aumento de 49%, entre os anos de 2018 e 2023. Se considerarmos somente o primeiro trimestre de 2024, a companhia inaugurou mais 4.350 m² dedicados a novos restaurantes.
A compra de alimentos por impulso
Hoje as operações de alimentação ocupam 17,5% da área bruta locável dos centros comerciais brasileiros, de acordo com levantamento da associação dos shoppings do País. Tem um detalhe: só 54% desses espaços concentram-se em praças de alimentação. Os outros 46% estão dispersos pelos corredores.
Isso pode ser explicado não apenas pela entrada de novos restaurantes, como também por operações de alimentos dedicados à indulgência ou mais suscetíveis à compra por impulso. Estou me referindo às cafeterias, docerias, sorveterias, chocolaterias e outras mais.
Estudo recente da Fronte mostrou que 89% dos frequentadores de shoppings, em todo o território nacional, costumam consumir em sorveterias; 75% gastam em cafés e 61%, em quiosques de comida, fora da praça. Tem mais: 82% dos ouvidos na pesquisa admitiram que a variedade de opções de alimentação é um fator decisivo para a escolha do local aonde vão.
Por isso, não surpreende que uma das marcas que mais rápido se expande nos nossos shoppings hoje é a Milky Moo, que vende milk shakes. Há pouco tempo a Dengo anunciou a abertura de 240 novas lojas, nos próximos 6 anos, para vender seus deliciosos chocolates.
No Brasil, somente 43% dos frequentadores vão a um shopping para comprar. É natural que quem vai a passeio ceda à tentação de um café com pão de queijo, um sorvete, chocolate, pedaço de torta ou uma fatia de panetone quentinho. Em outras palavras, nem só de restaurantes e bares vive a expansão da oferta de alimentos e bebidas nos shoppings tupiniquins.
Shoppings, seus bares, cafés e restaurantes são terceiros lugares
Há um fator adicional turbinando a importância da alimentação nos malls brasileiros: a consolidação da ideia do shopping center como destino de lazer e socialização. Para explicar melhor esse fenômeno é necessário voltar um pouco no tempo.
O sociólogo americano Ray Oldenburg criou, no final dos anos 80, o conceito do Terceiro Lugar, explicado em seu livro “The Great Good Place”. Para ele, existe o Primeiro Lugar, que é a nossa casa; e o Segundo Lugar, representado pelo local de trabalho. Necessitamos todos, porém, de um Terceiro Lugar, onde podemos promover encontros informais com os amigos e desfrutar o sentimento de pertencer a uma comunidade.
O problema é que os Terceiros Lugares, em geral espaços públicos, tornaram-se inviáveis em muitas cidades, em função da insegurança e das dificuldades próprias dos grandes centros. Oldenburg propôs que bares, cafés e restaurantes assumissem esse papel. Foi o trabalho de Oldenburg, aliás, uma das inspirações de Howard Schultz para a construção do conceito moderno da Starbucks – o Terceiro Lugar é, ainda hoje, um dos pilares estratégicos da marca.
Os shopping centers funcionam no Brasil como terceiros lugares, oferecendo oportunidades para socialização e espaços para reuniões de comunidades específicas. E são também locais perfeitos para a instalação de cafés, bares e restaurantes, que dobram a força do Terceiro Lugar, ao propiciar diferentes tipos de encontros, como almoços de negócios, reuniões familiares e celebrações entre amigos.
Vale lembrar que nada disso afeta a força das operações das praças de alimentação. Afinal, nada menos do que 97% dos clientes dos shoppings têm o hábito de comer ali, de acordo com a pesquisa da Fronte.
Há espaço para mais alimentação nos shoppings?
Você deve estar se perguntando: está tudo muito bem, tudo muito bom, mas e a resposta à pergunta no título do artigo? No final das contas, há espaço para mais operações de alimentação no mix dos shoppings?
A resposta é sim. Especialmente se as novas operações estiverem em sintonia com os desejos dos atuais e potenciais frequentadores dos shopping centers.
Importantes movimentos no padrão de consumo dos brasileiros sinalizam boas oportunidades para a entrada de novas operações no mix de alimentos e bebidas dos centros comerciais.
Quer um exemplo?
Acabou de sair do forno um estudo sobre o consumo de alimentos fora de casa, produzido pela Mosaiclab, empresa de inteligência de mercado do Gouvêa Ecosystem. Ele aponta para o crescimento consistente do mercado para alimentos e bebidas saudáveis no Brasil, algo ainda pouco representativo no mix dos shoppings.
Chamada de Food Compass, a pesquisa mostra, por exemplo, que 43% dos brasileiros passaram a se alimentar de maneira mais saudável nos últimos 5 anos. Essa atitude deve ampliar-se rapidamente daqui para a frente. Afinal, nada menos do que 55% dos entrevistados querem diminuir o uso de açúcares e gorduras e 80% pretendem aumentar o consumo de hortaliças, frutas e verduras. Tem mais: 37% têm interesse em consumir mais bebidas não alcoólicas naturais, como café, sucos, água de coco.
No Brasil de hoje, ainda segundo o Food Compass, 83% das pessoas são onívoras, ou seja, não possuem restrições alimentícias, comendo tanto carne e produtos lácteos quanto ovos e vegetais. No horizonte de 5 anos, no entanto, o percentual dos que se enxergam onívoros cai para 71%.
Por outro lado, 11% dos brasileiros são atualmente flexitarianos, com uma dieta predominantemente baseada em plantas, incluindo frutas, legumes e grãos. Ocasionalmente, essas pessoas se permitem comer carne e outros produtos de origem animal. Pois bem, o índice dos que pretendem adotar esse perfil nos próximos 5 anos é de 19%.
A saudabilidade, como se vê, pode ser uma das fronteiras a serem exploradas mais intensamente pelos shopping centers, diversificando o mix de alimentos e bebidas.
Concluindo: a natureza gregária da nossa sociedade faz com que locais de socialização, como os shoppings e, mais especificamente, seus bares, restaurantes e cafés, sigam ganhando terreno. As operações de varejo alimentício especializado, que vendem sorvetes, chocolates, tortas, donuts e por aí vai, se beneficiarão do fluxo de pessoas em busca de momentos alegres nos centros comerciais do país. E novos territórios, como o da saudabilidade, proporcionarão a entrada de novos lojistas no mix de alimentos e bebidas.
Como consequência disso tudo, dá para dizer, com pouca chance de errar, que o percentual de área dedicada a foodservice nos shopping centers brasileiros continuará aumentando. Quem viver, verá.
Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da MERCADO&CONSUMO.
Imagem: Shutterstock