A história se repete. Ainda hoje, não sabemos quem mexeu no queijo do popular livro “Quem mexeu no meu queijo?, de Spencer Johnson. Conhecemos, no entanto, o que a parábola nos conta sobre uma mudança do cenário, a reação de cada um dos seus personagens e as consequências de suas escolhas.
Uma síntese do livro: o queijo “sumiu” e 4 personagens lidam de forma diferente com o fato. Dois deles (ratos, no caso) aceitam a mudança e saem em busca de uma alternativa (nova fonte de queijo). Os outros dois (homenzinhos) hesitam. Um deles consegue superar o medo e seguir adiante, enquanto o outro fica paralisado em estado de negação — continua fazendo tudo como sempre fez. No fim das contas, os que se movimentaram no labirinto encontraram um novo caminho, traduzido em um abundante estoque de queijo.
Voltando aos canais de consumo: quem mexeu? Podemos apontar com facilidade múltiplos “culpados”: o consumidor, as mudanças culturais, a evolução da tecnologia, os hábitos de consumo. Mas, como percebemos com o exemplo do livro, mais importante do que quem provocou é como escolhemos lidar com a mudança.
De acordo com um estudo da Kantar Consumer Insights, em 2023, o consumidor brasileiro visitou, em média, 7,5 canais de venda para realizar suas compras. Ou seja, o consumidor compra em mais canais do que parte das pessoas consegue listar: supermercados, atacarejo (cash & carry), lojas de conveniência, lojas de vizinhança, farmácias, e-commerce, social commerce, venda direta, feiras, clube de assinaturas etc.
Esse comportamento de compra acontece por algumas razões, tais como:
- Busca por conveniência, agilidade e praticidade;
- Experiência mais personalizada e fluida;
- Desejo ou necessidade de economizar (tempo, dinheiro, frete etc);
- Maior confiança ao ver o produto fisicamente;
- Busca por experiências na loja física;
- Influência das redes e mídias sociais;
- Utilização de promoções específicas de cada canal.
Tudo isso evidencia que é tempo (e já faz tempo) dos omniconsumidores. A palavra “omni” vem do latim e significa “tudo” ou “todos”. Tem pautado discussões e estratégias corporativas, na versão omnichannel, que traduz a necessidade de as empresas integrarem todos os seus canais de compra, na busca pelo melhor atendimento do consumidor, que já escolheu transitar de forma fluida entre múltiplos canais de informação, consideração e compra, combinando físico e digital.
Onde vive? O que faz? Como consomem os omniconsumidores?
Abaixo alguns exemplos do comportamento do omniconsumidor:
- Pesquisa online, compra na loja física – o consumidor pesquisa preços e avaliações na internet, mas vai até a loja física para ver ou experimentar o produto pessoalmente e fechar a compra;
- Experimenta na loja, compra online – o consumidor testa ou experimenta o produto na loja física, mas decide comprar pela internet – às vezes por um melhor preço, cashback ou entrega em casa;
- Compra online e retira na loja – o consumidor finaliza a compra no e-commerce, mas escolhe retirar em uma loja física, seja por comodidade, para não pagar frete ou por maior rapidez;
- Pesquisa ou é atendido via redes sociais e finaliza em outro canal – o consumidor avalia alternativas, tira dúvidas pelo Instagram ou WhatsApp e fecha a compra no site, em um marketplace ou na loja física;
- Compra no e-commerce e troca ou devolve na loja física – essa é uma das principais frustrações dos consumidores, mas ainda assim é possível relizá-la, mesmo em caso de franquias, envolvendo diferentes CNPJs.
Você se identificou? Pois então: o omniconsumidor é a tradução do comportamento normal que assumimos. A escolha está feita. Por outro lado, muitas empresas seguem paralisadas, lamentando que alguém “mexeu no seu queijo” – que mexeram nos seus resultados e na performance dos seus canais de venda.
E por que isso? O medo da mudança e uma visão de conflito de canais, muito comum no universo corporativo, provavelmente são os maiores geradores de estagnação, que afastam as empresas dos seus novos “estoques de queijo”.
Sem dúvida, valorizar, engajar e respeitar os canais de venda e os stakeholders da empresa é essencial. A partir da perspectiva do consumidor (o famoso consumidor no centro), é possível estruturar a melhor estratégia dos canais, por meio da criação e integração de políticas, regras e processos que reduzam atritos, facilitem a jornada de compra e impulsionem o negócio. Assim, é possível evoluir de uma lógica de conflito para uma de complementaridade, sinergia e parceria.
O exemplo guia
Um grande exemplo brasileiro sobre a orquestração omnichannel é o Grupo Boticário, que, em 2024, atingiu um faturamento de R$ 35,7 bi, dobrando o GMV em apenas 3 anos.
O grupo combina de forma muito sinérgica 3 “Ms”: multimarcas (O Boticário, Eudora, Vult, Oui, Truss, Quem disse Berenice?, Au-migos etc.), multicategorias (fragrâncias, corpo, maquiagem, proteção solar, rosto, infantil, entre outras tantas) e multicanais (lojas físicas próprias e franquias, e-commerce próprio e nos marketplaces, perfumarias, farmácias, supermercados, lojas de departamento, salões de beleza e venda direta), prezando sempre pela conveniência do consumidor.
Em algumas entrevistas, Fernando Modé, CEO do Grupo Boticário, destaca que a centralidade no consumidor é o guia. “Entendemos que, se for para acompanhar alguém, devemos acompanhar o consumidor. E os consumidores já demonstraram, em suas escolhas diárias, que preferem trafegar por diferentes canais ao longo do dia. Cabe às empresas avaliarem se seguirão essa tendência. Nós já tomamos nossa decisão”.
Os resultados do Grupo Boticário têm demonstrado o acerto dessa escolha.
Voltando à nossa metáfora, o “seu queijo” já não está mais no mesmo lugar. Cabe às empresas saírem do labirinto e buscarem novos caminhos para o seu negócio. Este é o pulo do gato (e do rato!).
Rodrigo Catani é head da Gouvêa Consulting; Marcela Andrade é gerente de Projetos da Gouvêa Consulting.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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