As regras do jogo mudaram. Para evoluir em seu modelo de negócio, os shopping centers terão de se aproximar mais dos lojistas e entender profundamente o varejo. Não é tarefa fácil. Afinal, os próprios varejistas ainda estão tentando compreender o novo cenário, em meio a tantas incertezas.
A questão da omnicanalidade é um bom exemplo. Estudo da Euromonitor projeta em 12% a participação do e-commerce nas vendas totais do varejo brasileiro este ano. Em 2018, o índice era inferior a 5%. Porém, ainda parece cedo para cravar que será esse o novo patamar das vendas digitais por aqui. Em entrevista recente para a revista Exame, Roberto Jatahy, CEO do Grupo Soma, disse que “o mercado está num alvoroço sem saber a participação de cada canal na venda total, porque o varejo ainda não absorveu o comportamento definitivo do consumidor”. Ou seja, no final das contas o número pode ser menor ou até maior do que os 12% estimados pela Euromonitor.
Quando o assunto é alimentação fora do lar, a complicação é ainda maior. De acordo com o Instituto Foodservice Brasil (IFB), o delivery, que representava 9% das transações no foodservice brasileiro no segundo trimestre de 2019, passou a concentrar 32% dos pedidos no segundo trimestre de 2020. Durante o Global Retail Show, mega conferência online que a Gouvêa promoveu mês passado, Iuri Miranda, CEO do Burger King, afirmou que esse porcentual deve, provavelmente, se estabilizar entre 10% e 15%.
Entender a fatia que o e-commerce vai abocanhar em cada segmento pode ser bem importante para os shoppings. Não apenas porque afeta o volume de vendas originado em lojas físicas, como também porque impacta diretamente a margem do lojista. Para entender o tamanho do enrosco, basta conversar com operadores de alimentação e perceber a evidente preocupação com o aumento da participação de agregadores, como o iFood, que cobram taxas superiores a 20%, comprometendo a rentabilidade do comerciante. Por outro lado, a dominância desses agregadores, alimentada por polpudos investimentos em marketing, deixa o lojista em uma sinuca de bico: ruim com eles, pior sem eles.
A questão da logística não tira o sono apenas do povo que vende comida. A amplidão do território nacional torna complexa e custosa a entrega de produtos comprados online. Por isso, muita gente tem utilizado a loja física como centro de distribuição avançado. Durante o Fórum LIDE de Varejo e Marketing, realizado sábado (3) em São Paulo, Sergio Zimmerman, CEO da Petz, afirmou que 76% dos produtos vendidos online pela marca são despachados para os clientes a partir de lojas físicas. No mesmo painel, Renato Raduan, vice-presidente de Operações da Raia-Drogasil, reportou índice de 82%, enquanto Roberto Fulcherberguer, presidente da Via Varejo, informou que 50% dos produtos vendidos online pelas empresas do grupo saem do estoque das lojas para a casa dos clientes.
Para dar uma ideia do que isso representa na última linha, basta dizer que, no caso da Via Varejo, o custo de entrega de um artigo despachado do Centro de Distribuição é simplesmente o dobro, se comparado com o que é entregue a partir da loja.
O aumento da complexidade nas operações do varejo, que exigem sofisticação na integração omnichannel, investimentos pesados em CRM, produção de conteúdo de qualidade nas mídias digitais e oferta de experiências relevantes nos pontos de venda, naturalmente estabelece um padrão difícil de ser alcançado por empresas menos estruturadas.
Na entrevista à Exame, Jatahy previu que uma imensa quantidade de marcas de moda, com 10 ou 12 lojas, sem inteligência tecnológica digital, não conseguirá sobreviver ao atual período de crise. “A fragilidade do varejo de moda no Brasil está no seu nível de fragmentação”, afirmou, meio que apontando que a consolidação, com fusões e aquisições entre empresas, será caminho inevitável. Tudo isso, sejam lojistas fechando as portas, sejam marcas unindo-se em grupos mais fortes, produz consequências diretas para o tenant mix dos shoppings.
Como se vê, as perspectivas são desafiadoras. A interlocução com varejistas mais evoluídos vai demandar equipes mais preparadas nos shopping centers. O apoio aos lojistas com dificuldades também. Times corporativos, superintendentes e gerentes, todos precisarão entender muito mais do negócio de seus lojistas para agregar valor à parceria.
O problema é que, historicamente, os profissionais de shopping centers, com honrosas exceções, têm se dedicado quase que exclusivamente a gerir bem seus empreendimentos, locar lojas e gerar tráfego de frequentadores ao mall, perpetuando um modus operandi do século passado. Agora, será necessário ampliar essas competências e incorporar cultura de varejo ao repertório. Ou trazer pessoas com experiência de varejo para o lado dos shoppings.
Seja de um jeito ou de outro, diante da aceleração das mudanças e da elevação da complexidade do mercado, será mais importante do que nunca, para os shopping centers brasileiros, entender as novas dinâmicas do negócio do varejo para conseguir pilotar a evolução do seu próprio modelo de negócio.
Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls
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