Um vídeo onde um homem narra a disputa territorial de diferentes farmácias em uma rua de Brasília viralizou. Nele, é possível ver unidades de redes concorrentes, uma ao lado da outra, disputando clientes em uma região conhecida como Rua das Farmácias.
A discussão levantada pelo rapaz fez com que outros usuários comentassem que têm visto situação parecida em suas cidades. Mas, afinal de contas, por que há tantas farmácias no País?
A resposta vem de diferentes fatores, como o próprio crescimento do setor – impulsionado pelas grandes redes – e a utilização cada vez mais sofisticada de inteligência de dados para a abertura de novas unidades.
Com os números em mãos, as empresas sabem se faz sentido abrir uma nova farmácia ao lado de concorrentes, em um local com grande potencial de clientes, em vez de investir em uma região com nenhuma unidade, mas sem a presença considerável de consumidores.
As mudanças nos hábitos de consumo, com farmácias funcionando como pontos de venda por conveniência, pontos de realização de exames e centros de entrega para pedidos online também fazem parte da equação.
Segundo dados do Conselho Federal de Farmácias (CFF), existem cerca de 90 mil estabelecimentos no País, em comparação com 55 mil em 2003. O crescimento é de 63% em 20 anos. Os números consideram farmácias com inscrição ativa no órgão, requisito legal para funcionarem.
Grandes redes saltaram em participação de mercado desde 2000
Parte do crescimento do setor pode ser creditada ao avanço das redes de farmácias.
Com forte presença em grandes cidades, elas tiveram um crescimento de cerca de 230% em participação de mercado, desde o início dos anos 2000 até agora.
Naquela época, eram responsáveis por 15% das vendas, e hoje alcançam mais de 50%. Isso em um contexto onde possuem somente 15% dos pontos de venda no País. Os dados são da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma).
“São vários fatores que explicam esse crescimento. Mais estoque, infraestrutura, personalização e marketing moderno, que inclui vendas pelo app e site, são alguns deles”, afirma Sergio Mena Barreto, CEO da Abrafarma.
A associação reúne redes como Raia Drogasil (Droga Raia e Drogasil), PagueMenos, Nissei e Panvel.
Dados da Abrafarma apontam que o faturamento de uma farmácia afiliada à associação é, em média, de R$ 8,7 milhões por ano, contra R$ 800 mil de farmácias independentes.
Barreto menciona que o número de lojas de redes tem crescido por conta da participação cada vez maior da venda de produtos de beleza e higiene pessoal, além de estudos sobre a viabilidade de abertura de novas unidades em diferentes regiões.
“Hoje abrimos lojas com muito mais eficácia. Uma loja de rede já nasce madura”, diz.
Associativismo ajuda pequenas farmácias a crescer
Mas a inteligência de dados não é exclusividade de grandes empresas.
“Temos uma eficiência muito grande em minerar nossos dados”, afirma Samuel Pires, diretor-executivo do Grupo Total, rede associativista fundada há 30 anos, que conta com cerca de 600 farmácias espalhadas por 300 municípios do Estado de São Paulo.
As redes associativistas permitem que farmácias independentes passem a operar sob uma única bandeira e compartilhem sistemas de gestão e contratos de compra.
Na prática, o associativismo permite que pequenos negócios tenham a possibilidade de operar em uma rede já estruturada.
“As farmácias passam a se profissionalizar, com estratégia de venda e precificação, negociação conjunta com laboratórios e treinamento de equipe”, explica Pires.
O movimento é especialmente importante considerando um setor com mercado concorrido, estoques caros e com uma variedade grande.
80% das farmácias são pequenos negócios, diz Sebrae
“O desafio atualmente é as farmácias independentes crescerem. E, para isso, é importante fazer o básico bem feito”, afirma Vicente Scalia, analista de negócios do Sebrae.
Ele menciona o tratamento personalizado e o horário alternativo como diferenciais competitivos. “O pequeno negócio não pode pensar em competir por preço, porque as redes têm grande escala”, diz.
Segundo ele, há espaço para expansão das pequenas farmácias, especialmente em cidades menores, com menos de 100 mil habitantes, já que essas regiões não são priorizadas pelas grandes redes.
De fato, com cerca 60% das vendas no País, as farmácias independentes são maioria quando se fala em pontos de venda, segundo a Abrafarma.
Quando se analisa o total de unidades, mais de 80% de todas as farmácias do País podem ser enquadradas como micro e pequenas empresas, segundo levantamento feito pelo Sebrae.
“A margem de lucro das farmácias é muito pequena, mas com a agregação de serviços que existe hoje, é possível melhorar isso”, diz Scalia.
Setor vê espaço para expansão com serviços para saúde
Roberto Coimbra, diretor-executivo de operações da rede de farmácias gaúcha Panvel, afirma que a empresa vê espaço para crescimento também a partir do oferecimento de serviços de saúde.
“As farmácias ainda têm a oportunidade de perceber o valor do farmacêutico”, diz. Ele cita a regra aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em maio, que amplia a oferta de serviços de análise clínica em farmácias para além dos exames de covid e glicemia.
Criada nos anos 1970, a Panvel tem grande presença no Sul do País e tem expandindo suas operações para o Sudeste.
Esse crescimento segue as tendências do setor de oferecer, além de uma gama grande de medicamentos, produtos de higiene e beleza. Cerca de 35% das vendas da rede não correspondem a medicamentos, segundo Coimbra.
Além disso, as mudanças nos hábitos de consumo e crescimento do delivery foram bem recebidos pelo setor, que já operava com vendas por telefone havia anos.
As vendas pelo site e aplicativo, que ganharam força especialmente na pandemia, devem responder por uma participação cada vez maior nas vendas.
Sobre o crescimento do setor, porém, Sergio Mena Barreto, da Abrafarma, é cauteloso. “Ao mesmo tempo em que se abrem muitas lojas, fecham-se muitas”, afirma.
Ele pondera que há espaço para todos, se houver inteligência e aproveitamento de especificidades do mercado. “Onde há dez lojas ineficientes, há espaço para avançar”, declara.
Com informações de Estadão Conteúdo (João Scheller)
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