Acompanho há vários anos, Simon Sinek, um grande pensador, palestrante e escritor americano, com quem aprendo lições de liderança. Há uns 15 anos num TEDx ele desenhou um conceito que batizou “The Golden Circle” (o Círculo Dourado), em que coloca três círculos, um dentro do outro, e mostra claramente de forma muito simples, como as empresas se apresentam ao seus stakeholders, como são vistas e como deveriam ser vistas. Isto tudo muda de acordo com pilares básicos, que transformam a maneira como a empresa gera seus resultados, impacta a sociedade e o planeta e se mantem sustentável.
O que as empresas fazem (WHAT?), normalmente é muito fácil de saber, quando se olha de fora e, da perspectiva dos clientes, fornecedores e sociedade. Mas quanto “o que a empresa faz” a diferencia num mercado altamente competitivo? Talvez seja muito eficiente, para atrair os clientes, como por exemplo “vender barato”, mas todas as outras empresas podem oferecer o mesmo. Diferencial muito pequeno e efêmero, pois preço atrai, mas não fideliza.
Como as empresas fazem (HOW?) já é menos percebido e muitas vezes, mais difícil de comunicar e comprovar. Como oferecer produtos com uma proposta sustentável, garantindo a rastreabilidade, desde a produção até a correta instrução para o destino sustentável, como reciclagem, por exemplo.
Mas o mais difícil e, com certeza, o mais diferenciado, será o porquê (WHY?) as empresas fazem o que fazem e isso está diretamente ligado ao seu propósito e aos seus valores. Vai muito além de “ganhar dinheiro”, “conquistar marketshare” ou “ser a maior ou melhor empresa do mundo”.
Essas empresas são lideradas por pessoas que se preocupam com a sociedade e o meio ambiente. Elas mantêm uma governança ética e transparente, e trabalham com um propósito maior. O lucro é muito importante, mas é consequência do bom trabalho realizado.
Essas lideranças cuidam das pessoas e transmitem um senso de propósito e pertencimento, que pouco ou nada tem a ver com incentivos externos. Os verdadeiros líderes conseguem criar um grupo de seguidores que agem não por obrigação, mas por inspiração e motivação pessoal.
Atualmente, qualquer pessoa pode comprar um produto ou serviço de qualquer fornecedor, pelo menor preço, com a mesma qualidade, nível de serviço e características. As chamadas ‘vantagens competitivas’ desaparecem rapidamente
O maior desafio é que não precisamos mais de um ‘varejo tradicional’, seja físico ou digital. Na era do ‘figital’, qualquer pessoa, estabelecimento ou plataforma pode vender para você de qualquer lugar do mundo.
Quando perguntamos aos varejistas por que seus clientes compram produtos e serviços, eles geralmente respondem que é pelo preço, qualidade, serviço ou localização. No entanto, essas características são consideradas as melhores sem uma base concreta para tal afirmação.
O que constatamos é que uma boa parte dos varejistas não tem a menor ideia do “porquê” seus clientes são seus clientes e nem porque seus colaboradores são seus colaboradores. Essa é uma constatação dura, mas fascinante. Se a empresa não sabe o motivo de seus clientes e colaboradores estarem com ela, como pode engajar os colaboradores existentes para melhor servir os clientes e atrair novos colaboradores? Dessa forma, a maioria das empresas está fazendo escolhas e tomando decisões sem saber o “porquê” ou com dados errados.
Dizem que só existem duas maneiras de influenciar as pessoas: por manipulação ou por inspiração.
Por que isso é tão importante? Quando não se tem um senso de “porquê?” (WHY?), gasta-se muito dinheiro com muitas artimanhas de “manipulação” com colaboradores e clientes, que funcionam bem para atrair, mas não têm o mesmo efeito para reter.
Num mercado cada vez mais competitivo, em que o varejo físico ou digital disputa espaço com inúmeros players, inclusive “não varejo”, como Bets por exemplo, a manipulação através dos preços tem sido cada vez mais agressiva. Embora eficiente no curto prazo, age como uma droga: o cliente sempre quer mais e mais.
No curto prazo o resultado é animador e funciona, mas gera efeitos colaterais prejudiciais, como ser a única atração para os clientes, gerar perda de resultados e rentabilidade, colocando em risco a saúde financeira no negócio, aperto desproporcional nas negociações com os fornecedores, e o ciclo se realimenta, pois, estoques ficam fora de controle, imobilização desnecessária e perigosa de caixa e uma possível perda de identidade.
Por outro lado, não se discute que no curto prazo, é uma tática que funciona, desde que se mantenha ativa. No entanto, isso leva à perda de margens e aumento das despesas. A pergunta é: quanto você está disposto a pagar para vender no seu negócio?
Há muitas décadas está mais do que comprovado que são os negócios repetitivos (repeat business) que garantem as margens e criam diferenciais competitivos sustentáveis. No entanto, é importante destacar que conquistar negócios repetitivos é diferente de conquistar a fidelidade dos clientes.
O primeiro ocorre quando o cliente compra repetidamente no seu negócio, enquanto o segundo acontece quando ele escolhe e prefere comprar no seu negócio, mesmo que o concorrente tenha uma oferta melhor. Fidelidade é muito difícil de conquistar, mas clientes repetitivos, nem tanto.
Por isso, muitos programas de “fidelidade” não geram engajamento, mas sim compras repetitivas. Eles continuam a manipular o cliente com ofertas baseadas em preços e prêmios, que, mesmo parecendo personalizadas, ajudam a incrementar as vendas, mas não fidelizam de verdade. O negócio continua vendendo para um cliente que não sabe o “porquê” compra naquele canal de vendas. Pior ainda, esse tipo de ação custa muito dinheiro e, no final, não cumpre o seu papel de fidelizar.
Clientes fiéis frequentam e promovem o seu negócio a qualquer momento, em quaisquer circunstâncias, mesmo sendo tentados por ofertas da concorrência, pois têm uma forte conexão com o seu negócio. Esse sentimento é difícil de conquistar, mas quando a fidelização é alcançada, é fenomenal, pois o cliente e o negócio se tornam cúmplices e se completam. Não é porque a prática da manipulação funciona que ela está certa.
Voltamos à questão do propósito e dos valores. Será que conseguimos entender que não precisamos de nenhuma ferramenta de tecnologia para fazer com que todos os colaboradores, passem a embaixadores da marca e, vivam esses valores perante os clientes?
As lideranças e os colaboradores precisam saber o “porquê?” (WHY?) do seu negócio, para que possam transmitir isso aos outros. O seu “porquê” deve estar intimamente ligado aos seus valores e princípios e depender da sua integridade. A cultura é o que a liderança faz ou tolera. O que seu negócio fala deve ser refletido em suas ações.
Seu “porquê” deve vir antes do seu “o quê?” (WHAT?). É importante dar aos colaboradores algo em que acreditar, além de algo para fazer, pois assim as pessoas começam a ouvir as lideranças, seguir seus exemplos e admirar a empresa onde trabalham. O seu “porquê” (WHY?) inspira as pessoas a agirem.
Além disso, se a liderança não sabe o “porquê?” (WHY?), como saberá o “como?” (HOW?).
Com esse direcionamento, escolher as pessoas certas, para trabalharem com motivação é fundamental. Muitos acreditam que se contratarem talentos, basta motivá-los, mas na verdade as empresas vencedoras, contratam pessoas motivadas e aí as inspiram. Mas isso, só será capaz para as empresas que tiverem um forte senso de “porquê?” (WHY?). Ao inspirar seus colaboradores, eles serão mais eficientes, produtivos, proativos e inovadores.
Quando as pessoas dentro da empresa entendem o “porque”, elas vêm trabalhar pelo propósito. Isso facilita mostrar aos clientes e fornecedores, porque a empresa é diferenciada.
Todos se sentem importantes, não há conceito de mais ou menos importante.
Quer se diferenciar e transformar clientes repetitivos em fiéis, aumentando a frequência de compras com margens mais saudáveis, especialmente em momentos de crise ou inflação, como os que vivemos no Brasil? A tecnologia ajuda, e um CRM efetivo e bem-feito faz muita diferença. No entanto, se a Inteligência Artificial pode identificar os potenciais clientes, apenas a Inteligência Humana pode atender e conquistar sua fidelidade.
Aja de dentro para fora, não de fora para dentro.
– Identifique o seu “por quê?” (WHY?);
– Transforme-o no seu “como?” (HOW?);
– E terá o seu “o quê?” (WHAT?) sustentável, competitivo, rentável e que fideliza.
Não é fácil! Se fosse, todas as empresas já teriam identificado. Mas, sendo verdadeiro, transparente e inspirador, você pode transformar seu negócio de “mais um” para o “número um” na mente e escolha das pessoas, sejam colaboradores, clientes ou fornecedores.
Hugo Bethlem é presidente do Capitalismo Consciente Brasil.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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